13 DE JUNHO DE 2022
CÍNTIA MOSCOVICH
No território de Cátia e de Dione
No finalzinho de maio, a Território das Artes, editora há quase três décadas capitaneada pela artista plástica e poeta Liana Timm, lançou de uma só tacada dois belos livros de contos: Rastros de Estrela, da doutora em literatura e especialista na obra de Clarice Lispector Cátia Castilho Simon, e Pequenas Nebulosidades, da professora e revisora Dione Detanico.
Os dois livros, ainda que seus títulos façam menção a fenômenos do firmamento, têm temas calcados em terra bem firme e na dureza dos dias, sempre com a experiência feminina a pautar a narrativa. Ambas, Cátia e Dione, conhecem com profundidade a técnica do conto e com habilidade entregam ao leitor experiências de leitura intrigantes e envolventes. Cada obra conta com um projeto gráfico individualizado e com ilustrações referentes ao tema dos textos, trabalho em que Liana Timm se tornou expert.
Rastros de Estrela é o primeiro livro de contos individual de Cátia, ela que já foi autora de ensaios e participou de antologias de poemas, além de organizar várias coletâneas. Com orelha minha e prefácio da escritora Jane Tutikian, a obra tem a marca da contundência e da ênfase - e isso Jane observa em seu texto de abertura. Sem concessões, portanto, os 22 contos de Cátia mostram mulheres transidas pela dor da separação ou da impossibilidade, da morte (num diálogo com Camus), vítimas de relações abusivas ou, de repente, apanhadas pela alegria, vislumbres raros de esperança e de alívio. Leitora encantada de Clarice Lispector, Cátia assumiu uma dicção muito singular, de uma simplicidade que chega a ser transcendente.
Em Pequenas Nebulosidades, Dione Detanico explora em 30 textos o veio das lembranças, na maioria das vezes com narradores muito jovens, que vão aprendendo na dor e na privação, de uma humanidade entristecida e seca. Como afirma Valesca de Assis, que assina a orelha, trata-se de "um livro delicado e ingênuo mas nem tanto, atrevido às vezes", cheio daquela sabedoria que vem de relance e muito de repente, como num susto, e que fica ressoando no leitor por muito tempo. Usando de sua própria experiência como matéria de ficção, como alerta Liana Timm no prefácio, a autora tece histórias tocantes, caso do conto da família que sai em piquenique e que, numa parada no caminho, se esquece de dois filhos que foram brincar na beira do rio.
Esses dois livros, e outros de editoras não diretamente ligadas ao, digamos, mainstream, circuito que parece tanto depender de variantes extraliterárias, demonstram o quanto o valor do texto ainda é essencial para a sobrevivência da própria literatura.
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