sexta-feira, 10 de junho de 2022


10 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

INFLAÇÃO, ALÍVIO E ALERTA

Uma das grandes aflições dos brasileiros tem sido a escalada inclemente da inflação. O IBGE divulgou ontem o dado de maio e, embora a alta persista, há sinais que podem indicar o início de uma inflexão na curva das remarcações. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,47% no mês passado, uma desaceleração ante a forte variação de 1,06% em abril. O número foi ainda abaixo do consenso do mercado, que esperava uma taxa de 0,6%.

Trata-se, inequivocamente, de um resultado com viés positivo. Das nove classes de despesas analisadas, cinco variaram menos do que no mês imediatamente anterior e uma caiu mais. A elevação também atingiu um número menor de produtos e serviços, o que indica uma inflação menos espalhada. Em 12 meses, o IPCA acumula alta de 11,73%, ante 12,13%, um raro arrefecimento em tempos recentes no indicador anualizado. Em dias em que a população ainda enfrenta uma série de dificuldades econômicas, todo alívio é bem acolhido, embora não se possa esconder a realidade e deva-se registrar que a inflação segue em patamares muito elevados.

Além de transtorno para os cidadãos, angustiados com o custo de vida, a inflação tem tirado o sono do governo federal e do Congresso. É papel dos representantes do povo, democraticamente eleitos, buscar saídas para amenizar as agruras da população. As soluções, no entanto, deveriam ser meticulosamente pensadas e estruturais para produzir resultados positivos duradouros, ao longo do tempo. Não há dúvida de que a sociedade anseia por redução da carga tributária. Mas medidas mal-ajambradas, tomadas de afogadilho e com objetivos de curtíssimo prazo, carregam o risco de produzir efeitos lesivos à frente. É o velho populismo.

É o que se discute, neste momento, em Brasília, com o pacotão de ideias do Planalto e de parlamentares aliados do governo de uma grande desoneração de combustíveis, energia, transportes e telecomunicações, voltado a golpear a inflação nos próximos meses. O governo promete até compensar Estados que reduzirem a zero o ICMS de diesel e gás de cozinha. Também há cortes previstos de tributos federais. 

A questão está no fato de que boa parte do pacote é temporária, prevista para durar até o final do ano, abrangendo período eleitoral. Ou seja, ao fim se está apenas postergando a inflação de 2022 para 2023, o que por consequência tem reflexo no juro básico da economia. É inescapável associar a iniciativa em tramitação no Congresso a uma estratégia improvisada e desesperada destinada a elevar as chances de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Outra parte do pacote prevê a criação de um teto de 17% de ICMS para estes mesmos itens. Passariam a ser considerados essenciais. Não se questiona que as alíquotas hoje são sufocantes, mas deve-se refletir sobre o impacto desta perda abrupta de arrecadação de Estados e municípios em serviços essenciais para a população, como educação e saúde. O Planalto prevê ainda usar os recursos oriundos da privatização da Eletrobras para reembolsar os Estados que zerarem o ICMS. São cerca de R$ 25 bilhões que virarão fumaça em poucos meses.

Não se deve perder de vista que os preços da gasolina e do diesel no país já estão defasados em mais de 10% em relação ao mercado internacional. Pelas regras vigentes, deveria haver um realinhamento, o que ao fim pode anular os efeitos benéficos da desoneração. A aventura fiscal, por outro lado, tem o potencial de mexer com o câmbio, outro fator a pressionar a precificação dos combustíveis no mercado interno. Considere-se, ainda, o risco de escassez de diesel, já alertado pela Petrobras. O mais apropriado, talvez, fosse direcionar algum subsídio à população mais humilde, no caso do gás de cozinha e do transporte público, e aos motoristas profissionais. O corte de despesas questionáveis, a exemplo das polpudas verbas do orçamento secreto, sequer é cogitado.

Ao longo das últimas décadas, diferentes tipos de ações eleitoreiras - vide o Plano Cruzado, o populismo cambial e a interferência na Petrobras - produziram sensação de bem-estar ou alívios econômicos efêmeros que em seguida se revelaram desastrosos. Os favorecidos de hoje são os que pagam a conta com juros amanhã. 

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