06 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS
GUERRA E SEQUELAS GENERALIZADAS
A invasão da Ucrânia pelos russos completou cem dias na sexta-feira. No balanço das hostilidades no Leste Europeu e dos seus desdobramentos, por qualquer ângulo ou lado do conflito que se analise, só é possível concluir que não há quem possa ter algo legítimo a celebrar. Sequer no sentido bélico. Todos são perdedores. Sem paz à vista, é preciso admitir que o mundo ainda pode sofrer por um tempo incerto com os horrores das batalhas e suas mazelas econômicas.
Apesar da superioridade de armamento, impondo grande destruição ao país vizinho, a Rússia acumula derrotas simbólicas, mas também nos campos de batalha. Mesmo que venha a obter a rendição dos ucranianos ou conquista territorial, o custo militar tem sido altíssimo em virtude do fracasso do objetivo de conseguir um desfecho rápido. Mais jovens russos morrerão em nome de um delírio criado pelo autocrata Vladimir Putin e, no país, as famílias sofrerão as consequências do colapso econômico e do empobrecimento causado pelas sanções ocidentais, sem falar nos prejuízos decorrentes da desconfiança que a Rússia passou a gerar em boa parte do mundo, transformada em busca por distanciamento.
A Europa, especialmente, perseguirá menor dependência das fontes energéticas russas. Tentará acelerar a conversão para uma matriz mais limpa, deixando uma interrogação sobre se essa riqueza em forma de petróleo e gás será tão relevante em um futuro nem tão distante. Ao fim, pode ser um tiro de canhão no pé do Kremlin. Mesmo assim, Putin segue em frente, concluindo-se que EUA e Europa tampouco surgem como vencedores, por não terem conseguido conter o presidente russo e também atormentarem-se com as sequelas do conflito.
A Ucrânia pode ter triunfos morais pela resistência à invasão, mas padece com cidades arrasadas, infraestrutura em escombros, milhares de mortos civis e militares, milhões de refugiados e famílias separadas. Levará anos para se reconstruir e curar as feridas emocionais. Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 4 mil civis foram fatalmente vitimados. Há 14 milhões de pessoas deslocadas. O próprio governo ucraniano admite que perde até cem soldados por dia de guerra.
Ao mundo, o conflito lega uma Europa em escalada de tensão, com a busca de mais países pelo ingresso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), receosos de um possível expansionismo de Moscou. Não se descarta o risco de um conflito com armas nucleares, cenário improvável a partir do fim da década de 1980. Um redesenho da geopolítica está surgindo.
A guerra afeta, de alguma forma, toda a população mundial e desorganiza a economia, inclusive no Brasil e nos cantos mais recônditos do Rio Grande do Sul. A disparada das cotações do petróleo turbina a inflação em níveis não vistos mesmo em países desenvolvidos há várias décadas. Surgiu, nas últimas semanas, o cenário de possível escassez de diesel, atingindo também o Brasil, problema aqui agravado por incertezas domésticas. A Ucrânia, relevante produtora de grãos e óleos vegetais, não consegue exportar seus cereais. Os preços sobem, vários países deixam de comercializar excedentes com o Exterior para garantir suprimentos internos e, assim, alimentam o temor de uma crise de fome, especialmente nas nações mais pobres. As sanções impostas à Rússia dificultam os negócios com fertilizantes, o que deixa o insumo mais caro e potencialmente afeta a produtividade das lavouras. É mais inflação à vista, pressionada por custos altos e chance de safras menores.
A guerra e suas atrocidades, em diferentes graus, só geram sofrimento e perturbações. Das mortes injustificáveis, no epicentro do conflito, à ameaça de insegurança alimentar e à corrosão da renda da população. A despeito da falta de indícios de avanços em negociações, resta aguardar que novos esforços diplomáticos passem a ser empreendidos para que seja restabelecida a esperança de paz, o mais breve possível.
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