04 DE JANEIRO DE 2022
CARLOS GERBASE
O gosto bom da política
Gosto de política. Gosto de me sentir capaz de interferir na vida da minha pólis, do meu Estado, do meu país, em vez de simplesmente aceitar o que os donos do poder me dizem ser o certo. Admiro vários homens e mulheres que fazem política partidária. Acho que a democracia precisa de paciência, de inteligência, de talento, de perseverança, de tolerância, de empatia, de honestidade, de coragem e de espírito público. São todas qualidades humanas que, no atual cenário brasileiro, estão ofuscadas por interesses pessoais, negociações espúrias e projetos de poder nada públicos. Mas a política não precisa ser assim. Em 2022, ano eleitoral, temos uma grande chance de resgatar alguns preceitos básicos da disputa democrática pelo poder.
A primeira coisa a fazer é inverter radicalmente o que tem unido as pessoas na política e formado as grandes coalizões de interesses que vemos todos os dias por aí. José Falero, num dos contos do livro Vila Sapo, escreveu um parágrafo que sintetiza a situação atual: "O que um coração cruel e covarde mais quer, mais deseja, mais espera é justamente a oportunidade ideal para aliar-se a outros corações igualmente cruéis e covardes, de modo que possa regozijar-se na prática atroz sem o medo de ser execrado sozinho". Crueldade e covardia coletivas foram os sentimentos que dominaram a política nacional nos últimos anos. Antes que me acusem de ingenuidade, de transformar uma questão macroeconômica em um joguinho de emoções baratas, vou logo parafraseando Raul Seixas: tá faltando cultura pra falar de superestrutura.
A atual cultura política brasileira, que vai determinar a forma como se dará a disputa eleitoral que se aproxima, é muito amarga. E perfeita para que mentes obtusas e inflexíveis espalhem seus dogmas sem qualquer preocupação. Basta escolher um lado e cerrar fileiras. Em caso de confronto, a covardia individual é rapidamente substituída pela força da crueldade coletiva. É assim que tem funcionado, mas não é assim que precisa funcionar. Para deter esse processo, são necessários projetos políticos que juntem as pessoas pelo que elas têm de melhor, e não pelos seus sentimentos mais mesquinhos, fazendo funcionar nossas tendências altruístas, e não as maquinações de nossos genes egoístas. Não sei se altruísmo e espírito público existem na natureza humana, mas com certeza florescem na cultura. A política pode ter um gosto bom, e a receita não está perdida para sempre. Quem topa cozinhar?
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