quarta-feira, 3 de novembro de 2021


03 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

O que Einstein devia saber sobre Uruguaiana

A física ensina que a velocidade da luz é constante. Em qualquer situação, será sempre de extraordinários 299 milhões 792 mil 458 metros por segundo. O espaço e o tempo, entretanto, são relativos. Einstein queimou quilos de células cinzentas para fazer essa descoberta. Não precisaria demandar tanto esforço, se tivesse alguns bons amigos. Porque a amizade derrota o espaço e o tempo. Você pode ficar longe do seu amigo durante muitos anos, mas, quando se reencontrarem, será como se ontem mesmo estivessem tomando chopes cremosos juntos.

Quando o afeto é sincero, ele não se encerra, e isso não vale apenas para os sentimentos que uma pessoa tem em relação a outra. Se você gosta de um lugar, o tempo e o espaço podem fazer mudanças, podem até, às vezes, causar decepções, mas o seu carinho por aquele pedaço de chão continuará o mesmo.

Já visitei quase todo o Rio Grande do Sul, graças aos tempos em que trabalhava como repórter. Entre as poucas cidades importantes que não conhecia estava Uruguaiana. Admito, inclusive, que minhas referências de Uruguaiana eram mínimas. Sabia que o grande Eurico Lara tinha nascido na cidade e que dela não queria sair de jeito nenhum. Sabia que Uruguaiana sediava dois times, o Sá Viana e o Ferro Carril, sendo que este último levou 14 a 0 do Inter em 1976. E sabia, é claro, dos empolgantes festivais da Califórnia da Canção.

Fora isso, o que me vinha, quando pensava em Uruguaiana, era a sua distância de Porto Alegre. "Mas como é longe Uruguaiana!", cantou um dia um poeta gaudério, e essa frase me ficou impressa no cérebro.

Por essas razões, quando recebi o convite para ir a um casamento em Uruguaiana, estremeci. "O que haverei de fazer nesse lugar tão remoto?", pensei.

Só que eu precisava ir ao casamento, eram a Vitória e o Gordo que se casavam, e a Vitória é sobrinha da Marcinha, e o Gordo é rapaz de quem todos gostam, e muita gente amiga iria. Logo, não havia como não encarar os 630 quilômetros que separam Porto Alegre de Uruguaiana.

Porém, como já disse, espaço e tempo são relativos. Essa distância, se você for de carro, levará nove horas para cobri-la. Mas eu fui de avião, numa confortável e segura aeronave que fez o mesmo trajeto em uma hora e 15 minutos.

Assim, cheguei rapidamente a Uruguaiana e rapidamente me surpreendi. Porque encontrei uma cidade planejada, de ruas largas, planas, limpas e bem asfaltadas. E melhor: seguras. Há muitos prédios belos e históricos na cidade, e muitos restaurantes ótimos. Provei uma das melhores parrillas da minha vida no aconchegante De la Deni, e olha que escreve aqui um homem que já comeu parrillas na Argentina e no Uruguai.

Fiquei entusiasmado com Uruguaiana e por pouco não volto falando com o sotaque da região, que joga o peso da frase na última sílaba da última palavra. "Então tu vais passar a fronteirááá?".

Ontem, subi até o 10º andar de um prédio e de lá avistei o Rio Uruguai e, na margem do outro lado, a Argentina. Por enquanto, devido à covid, o acesso ao nosso país irmão ainda é complicado. Mas prometi a mim mesmo que, assim que estiver liberado, voltarei a Uruguaiana, comerei uma boa parrilla no De la Deni e, depois, atravessarei a fronteira para me aventurar pela Argentina. Hoje, Uruguaiana não me parece tão longe, como diz a tradição. Porque, como eu e Einstein descobrimos, os lugares e as pessoas pelos quais a gente desenvolve afeto sempre estão próximos.

DAVID COIMBRA

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