quarta-feira, 20 de maio de 2009



20 de maio de 2009
N° 15975 - MARTHA MEDEIROS


Don Mario

Era 1993 e eu recém havia desembarcado em Santiago do Chile, onde iria morar. Por casualidade, cheguei na mesma semana em que se iniciava a Feira do Livro, localizada numa antiga estação de trens.

Fui para a Feira sem saber o que procurar. Zanzava sozinha pelos corredores quando de repente percebi uma movimentação: alguém importante chegara, e a multidão não se continha. Aplausos, flashes, autógrafos. Me aproximei. Era Mario Benedetti.

O que eu conhecia da obra do autor uruguaio era insuficiente para entender a razão daquele agito. Mas, como eu não procurava por nada específico, aproveitei e comprei alguns livros de poemas daquele senhor que estava sendo homenageado a poucos metros de mim. Pensei: vai ser bom para eu aprender espanhol.

Foi bom para aprender tudo.

Aprender o quanto um único verso pode provocar uma emoção intensa, o quanto a poesia engajada pode falar em nome de todo um povo, o quanto a poesia de amor comove até aqueles que não amam, o quanto a calidez e a simplicidade comunicam, o quanto não é preciso ser rebuscado para ser respeitado, o quanto Drummond estava certo quando disse que é mais importante ser eterno do que moderno.

Daquele ano em diante, devorei tudo dele que me caiu em mãos, e sei que, apesar de eu possuir algumas antologias de sua obra, esse tudo ainda é pouco – foram 88 anos de vasta produção.

De sua ficção, destaco Gracias por el Fuego (a edição brasileira mantém o título em espanhol) e A Trégua, um relato escrito em forma de diário por um senhor de quase 50 anos em vias de se aposentar – na época em que foi escrito, era o retrato de um matusalém.

Hoje, aos 50 anos, os homens ainda surfam. Mas certas coisas não mudam, como o fato de o personagem, um funcionário público de rotina medíocre, solitário, sem maiores planos a não ser o de aguardar o repouso definitivo, se apaixonar quando menos esperava. Não é um tema novo, mas os autores verdadeiramente talentosos não precisam de temas novos.

Mario Benedetti faleceu anteontem, provavelmente aceitando o destino que lhe coube no tempo razoável de quase nove décadas de vida (a morte nunca é razoável, mas vá lá). Apesar de ter passado por alguns momentos difíceis, como o exílio na época da ditadura militar, e de viver num mundo sem mais lugar para utopias, nunca deixou de ser um homem comprometido com as causas sociais e com o amor por sua esposa, com quem foi casado por mais de 60 anos.

Duvido que algum dia tenha perdido tempo lamentando não ter seguido outro rumo, a julgar pelas palavras do personagem Miguel, do seu livro Quem de Nós, com as quais encerro essa minha homenagem.

“Mas existe verdadeiramente outro rumo? Na verdade, só existe a direção que tomamos. O que poderia ter sido já não conta.”

Continuo no seminário chamado "Vida Futura", mas onde resgatamos trechos da infância, adolescência e maturidade. Um ótima quarta-feira para você.

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