sábado, 30 de maio de 2009



31 de maio de 2009
N° 15986 - MARTHA MEDEIROS


Nem pensar

Em Divã, ainda em cartaz nos cinemas, há uma cena que não existe no livro em que o filme foi inspirado. É uma cena em que a personagem de Lilia Cabral, desbundada com o caso amoroso que está tendo com um homem mais novo, experimenta um baseado pela primeira e única vez.

O cinema vem abaixo: o público se mata de tanto rir. A cena é realmente engraçada e quase infantil. Naquele momento, a maioria dos espectadores deve lembrar de ter passado por algo parecido: um ato de transgressão que não levou a nada, foi só uma brincadeira, um “ver qual é”.

Hoje sabe-se que o “ver qual é” tem consequências trágicas quando a droga em questão é o crack. Segundo especialistas, basta consumir uma ou duas vezes para que você deixe de ser dono da sua vontade. Você perde para o vício no primeiro minuto de jogo, e sua vida termina bem antes do tempo regulamentar. Num estalar de dedos, você já era.

Isso que estou escrevendo vai ser repetido exaustivamente daqui pra frente: está começando uma guerra contra o crack aqui no sul. Uma guerra necessária, diferente das outras: uma guerra para evitar mortos. Cerca de 10 anos atrás, nosso Estado não tinha um único caso de vício em crack. Hoje, já são 50 mil. A projeção é de que nos próximos dois anos haja 300 mil viciados. Sem recuperação. O crack não dá uma segunda chance. Não se trata de uma viagenzinha alucinatória – ele arrebenta com a sua cabeça.

As palavras soam dramáticas, alarmistas, mas o que se quer é que esse número atual de 50 mil reféns do crack não aumente como está previsto, e a única maneira de evitar um tsunami social é apelar para a prevenção, e prevenção significa não chegar perto. Nem de brincadeira, nem uma vez só. Podemos nos autoafirmar através de maneiras mais saudáveis.

Uma crônica não salva a vida de ninguém, uma campanha publicitária não muda sozinha a sociedade, uma empresa de comunicação não pode impedir que um criminoso ofereça uma droga barata a você ou aos seus filhos e tranforme a todos em zumbis que vão querer mais, mais e mais. Só quem pode frear essa epidemia é o usuário em potencial – basta que não seja usuário nunca.

Vesti essa camiseta porque, mesmo que o mundo jamais venha a ser um lugar idílico, alguma esperança temos que ter.

Nosso Estado, tão orgulhoso do seu nível cultural, tão orgulhoso da sua natureza, tão orgulhoso do seu Inter e Grêmio, tão orgulhoso do Erico e Luis Fernando Verissimo, da Lya Luft, do Vitor Ramil, do Nei Lisboa, da Eva Sopher, do Mario Quintana, dos Fagundes, do Xico Stockinger, do Iberê Camargo, tão orgulhoso dos nossos talentos e cabeças pensantes, precisa se orgulhar também dos gaúchos anônimos que possuem o brio de dizer: crack, nem pensar.

Que o seu domingo ainda que com chuva tenha muita luz e seja super lindo minha amiga.

Nenhum comentário: