
03 de Outubro de 2025
CARPINEJAR
Todos os lados do fim da obrigatoriedade das autoescolas
Na época em que me tornei motorista, a autoescola não era obrigatória. Uma das ofensas mais comuns no trânsito era: "Onde você comprou sua carteira?".
Na quarta-feira, o Ministério dos Transportes recebeu carta branca do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para avançar com o projeto que acaba com a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para se obter a CNH. Está prevista uma audiência pública para debater o tema.
Há um lado bom: barateia os custos em até 75%. Hoje, a habilitação sai por pelo menos R$ 3 mil, com aulas práticas, teóricas e taxas do Detran. A ideia, bem-intencionada, é combater os preços abusivos.
Mas há um lado ruim: onde os motoristas vão aprender a dirigir? Em casa? Com a família? Serão ensinados sem carteira e sem proteção, no meio do rush, sem a orientação de um profissional, com o atalho da experiência. Ou seja: atuarão de forma ilegal, até conquistar a legalidade. Vários fundamentos mudam de geração para geração. É possível que os pais, na figura de instrutores caseiros, repassem seus vícios e cacoetes aos filhos, sem acompanhar as atualizações das regras. O conhecimento seguirá pela metade, com mais truques e jeitinhos do que propriamente obediência às leis.
Há ainda um lado bom do lado ruim: pela oneração do processo, muitas pessoas já dirigem sem habilitação. Como não têm condições de arcar com o investimento, circulam desprovidas de autorização e de provas de sua perícia.
A formalização desse contingente forneceria um retrato mais fiel das nossas rodovias e mitigaria o perigo que advém da clandestinidade. É uma hipótese defendida pelo governo federal. O que me pergunto: será que alguém que viveu à margem por tanto tempo, sem carteira, vai querer normalizar a sua situação?
Há também um lado ruim do lado bom: enquanto o bolso do contribuinte pesará menos, o enxugamento da estrutura gerará impacto econômico negativo. O fim da obrigatoriedade abala os alicerces de uma cadeia produtiva inteira, atingindo a dinâmica e o sustento de cerca de 15 mil Centros de Formação de Condutores no país, com ameaça de desemprego para 300 mil trabalhadores.
E existe a discussão do contexto: será este o melhor momento para a medida? O Brasil registrou em 2023 quase 35 mil mortes no trânsito, segundo o Atlas da Violência do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, numa tendência de alta desde 2019. Uma reeducação de tal porte não pode ser compreendida como um convite à impunidade, com a diminuição do rigor do treinamento?
Não corremos o risco de multiplicar os amadores do volante? Não andaremos na contramão das campanhas de prevenção (contra o álcool, pelo uso do cinto, pela redução da velocidade)? Estamos preparados para uma drástica guinada, depois de 28 anos do modelo consolidado a partir do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) - Lei nº 9.503?
A exigência de carga horária mínima de 20 aulas práticas de 50 minutos faz diferença na aptidão instrumental. Não é só dirigir para si mesmo, mas dirigir para os outros, reverenciando a vida e a segurança coletiva.
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