
Bebida extrema-unção
A adulteração de bebidas com metanol em São Paulo, que levou à apuração de cinco mortes, com dezenas de outros casos investigados, tem efeito de pandemia nos bares e restaurantes.
Vem instalando o pânico entre os frequentadores. Eu, que viajo à capital paulista uma vez a cada duas semanas para palestra, nem mais cogito aceitar uma dose de uísque. A abstinência será total.
A inalação do combustível utilizado em carros de corrida e pequenos motores é um atalho para náusea, convulsões e até o óbito. Sua ingestão atinge primeiramente o fígado, que espalha o produto tóxico à medula e ao cérebro. O resultado é dor intensa, confusão mental e coma. Além disso, o sangue fica ácido, o que agrava o quadro clínico.
O metanol é capaz de provocar insuficiência pulmonar e atacar os rins. O nervo óptico pode sofrer lesões, deixando a visão turva ou causando cegueira. As sequelas são certas e definitivas. Não se trata de uma bebida batizada, pirateada, como conhecíamos na adolescência, mas de puro veneno, mais para a extrema-unção. Não tem como se defender. O inimigo é invisível.
Demora-se a entender o que está acontecendo.
Os sintomas da intoxicação são vagos, assemelham-se aos de uma simples ressaca, com enxaqueca, tontura e enjoo. Parece que a vítima somente bebeu demais, adotando o isolamento e a cama, o que retarda a procura pelo socorro médico e o diagnóstico.
Tampouco há como identificar os riscos previamente. Os líquidos se apresentam normais. Não há como constatar a presença do invasor pelo cheiro, pelo gosto ou pela aparência. Mesmo que o seu paladar seja aguçado, os testes caseiros não dão conta do recado. O metanol é incolor, volátil e se mescla perfeitamente ao conteúdo. Sua detecção é viável apenas em laboratórios especializados.
O rótulo torto ou a falta de lacre não bastam para desvendar o crime. Dificilmente alguém irá exigir nota fiscal ao estabelecimento antes de beber, ou desconfiar de preços muito baixos, que costumam ser um atrativo, não uma ameaça, entre a concorrência.
É um estado de calamidade pública na indústria dos destilados. Até a caipirinha, nosso drinque nacional, passa a ser profanada de receios. O adocicado da fruta exibe potencial de mascarar ainda mais a farsa. E ninguém pede só uma caipirinha, numa saideira que tende a ser irreversível.
Esses falsificadores que conspurcam marcas famosas de gim e vodca não sentem a mínima compaixão pelos pais enterrando seus filhos. São Paulo é porta de entrada de cerca de 230 mil turistas por mês. Como conter o horror? Como a fiscalização demonstrará que o problema corresponde a incidentes avulsos, e não consequências de uma distribuição generalizada?
Nos últimos dias, as autoridades apreenderam 50 mil garrafas suspeitas e 15 milhões de selos fraudados durante operações.
Alertas já foram emitidos aos hospitais para controlar o surto.
Estamos a um mês da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, que ocorrerá em Belém, com uma profusão de delegações estrangeiras que também estenderão a visita ao Sudeste. Não existem informações suficientes para determinar o tamanho da crise. _
CARPINEJAR
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