quarta-feira, 1 de outubro de 2025


01 de Outubro de 2025
MÁRIO CORSO

Estranho Deus

Em algum lugar do jornal, em algum momento no noticiário, alguém nos informa sobre os humores do mercado. Ora o mercado está apreensivo, ora não se sabe como ele vai reagir a tal ou qual coisa. O tal mercado pressiona por ajuste fiscal, ou está cauteloso com isso ou aquilo. Enfim, o mercado parece que não dorme e vive prestes a ter um chilique

Minha questão é: como alguém acorda, pega um café e vai para o computador teclar sobre o estado de espírito do mercado? Como um jornalista, ou economista, sabe o que se passa na cabeça dessa entidade abstrata chamada mercado?

Seria o mercado um deus como Apolo que falava através das pitonisas? Seriam sacerdotes vestindo mantos sagrados - ternos Armani e gravatas Gucci -, os agraciados a ouvir e traduzir para nós o deus mercado? Se ele liga para umas pessoas para sondar, essas pessoas seriam o mercado? Ainda, seriam elas sóbrias o suficiente para falar acima de seus interesses?

Ainda, quem escolhe quem pode nos falar sobre os desígnios do mercado? É o próprio deus que os elegeria? Como funciona na prática, seriam vozes que surgem dentro da cabeça dos eleitos? Existe algum ritual, ou lugar sagrado, de onde os eflúvios divinos inspirariam os iniciados? Se temos que viver sob esse deus caprichoso e temperamental, digam-nos quem ele é?

As imprecações severas dos sacerdotes do deus mercado - sempre anunciando o apocalipse financeiro -, reforçam a ideia dele ser um deus antigo e implacável, que não perdoa falhas e se vinga ferozmente quando seu povo sai da linha. Vai que ele seja como Zeus e mande raios nas cabeças dos céticos.

Outro aspecto que nos inclina a pensar em uma divindade arcaica é que ele só é aplacado por sacrifícios humanos. Ele parece ter especial apreço por congelamento de pensões e salários, supressão de direitos trabalhistas, e cortes de orçamento na saúde e educação.

Não há nada no mercado que se pareça a Pluto, deus grego da riqueza. Esse era bonachão e distribuía fartura por onde passava. Tampouco lembra as tantas deusas da fertilidade, prosperidade e abundância. De onde vem este ser avarento como os dragões que guardam tesouro em cavernas? Seria o deus mercado o bezerro de ouro revivescido? _

MÁRIO CORSO

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