quinta-feira, 10 de julho de 2025


Quebra-cabeça de 10 mil peças

Serão sempre 10h da manhã na cidade de Estação (RS). Todo morador sentirá um frio na espinha quando as 10 badaladas ecoarem nos relógios.

O horário cheio assinala o instante em que um adolescente de 16 anos matou brutalmente Vitor André Kungel Gambirazi, menino de nove anos, com 11 facadas na Escola Municipal Maria Nascimento Giacomazzi, na manhã de terça-feira. Também agrediu duas meninas, ambas de oito anos, e uma professora de 34 anos.

É uma tragédia. Uma devastação emocional que atinge a todos os gaúchos. Um luto que arranca um pouco mais de nossa normalidade, de nosso sorriso, do chão de nossa razoabilidade.

Qual a sua motivação? Por mais que apresentemos pressa por esclarecimento, ânsia de resolução, não há resposta adequada. Pois não é hora de inventar teoria. Ou de confirmar as próprias teorias.

Não dá para demonizar as redes sociais. Não dá para dizer que foi um surto esquizofrênico ou psicótico, que ele ouvia vozes, atendia ao comando de vozes, obedecia a vozes em sua mente. Estar em tratamento psiquiátrico não significa loucura.

Não dá para decretar que agiu sozinho, que era um lobo solitário. Não dá para desconfiar da segurança das escolas. Não dá para generalizar o caos e confiscar celulares dos rebentos.

Será que ele não buscava a notoriedade do mal? Afinal, todo mundo só comenta hoje sobre Estação, município de 6 mil habitantes no norte do Estado. Esse crime o colocou no mapa do noticiário. Se o jovem desejava holofotes, conseguiu emergir do anonimato ao centro do horror.

Cabe-nos não incentivar imitadores. Não oferecer palco aos distúrbios e ao endeusamento de psicopatas.

Nem isso é justo concluir. Não passam de suposições. É o que realmente pensamos ou o que o nosso medo vem pensando? O medo nos traz uma sensação de naufrágio: agarramo-nos ao primeiro tronco que surgir pela frente, jurando que já é um bote salva-vidas.

É de se projetar que seja um caso de extrema violência, entretanto seria leviano torturar a dor dos pais de Vitor com informações e pistas falsas. A situação de fragilidade pede cautela.

Não há maior dor: a inversão do ciclo da existência por um homicídio imprevisível, um ataque covarde pelas costas. O pequeno, que estava no terceiro ano escolar, recém havia feito aniversário em 4 de junho. Nem teve o direito de pisar no novo degrau da sua infância.

Há um pesar assombroso, uma perplexidade diante de um adolescente que entra numa escola sob o pretexto de entregar um currículo - sem nenhum vínculo anterior, sem sequer ter sido matriculado lá - e tenta realizar uma chacina entre crianças reunidas para estudar tranquilamente numa sala de aula.

Foi uma vingança? Foi bullying como autor ou vítima? Foi um ato gratuito ou planejado com antecedência, para investir escandalosamente contra uma comunidade despreparada?

Possivelmente envolva um ingrediente de exclusão, de crise de identidade (objetivos por um propósito, ainda que fora da nossa lógica) e de lar tensionado. É capaz de ser tudo junto - ou nada.

Queremos entender logo para evitar. É uma defesa compreensível de nossos laços. Porém, procure calma dentro do pânico, algo difícil e um tanto improvável no calor do momento, exigindo a coragem da prudência.

Não saia falando sem ter certeza. Corresponde a um quebra-cabeça de 10 mil peças espalhadas pela sala. Não tem como fingir que nada está acontecendo, mas não tem como declarar categoricamente o que está acontecendo agora.

Não sabemos. Precisamos suportar não saber por enquanto. Não devemos saber mais do que as autoridades. Deixemos a polícia trabalhar. Deixemos o Ministério Público trabalhar.

Oremos pela vítima. É o que nos resta: manter a mais profunda empatia. Poderia ter sido com qualquer um de nossos filhos. 

CARPINEJAR 

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