
18 de Julho de 2025
CARPINEJAR
O desrespeito aos médicos
O ChatGPT jamais substituirá uma terapia ou uma consulta médica. Não acessa a experiência e a sensibilidade humanas para detectar doenças ou traduzir sintomas ocultos. Não venha alegar que teve insights durante uma conversa com a inteligência artificial ou que realizou verdadeiras consultas. Sequer o Google interpreta fidedignamente seus exames.
Tenho testemunhado com pavor nossa descrença com a autoridade. Desde 2013, houve mais de 38 mil casos de violência contra médicos no ambiente de trabalho no Brasil. No Rio Grande do Sul, calculam-se três centenas de episódios.
A estimativa se baseia apenas nos boletins de ocorrência entre 2013 e 2024. Ou seja, há muita subnotificação. O quadro é bem mais grave do que demonstram os dados oficiais. A cada três horas, um médico é vítima de violência em um estabelecimento de saúde público ou privado no país.
Ele não é culpado pela fila, pela demora, pela burocracia do SUS ou dos planos de saúde. Mas, como está no front, como é uma figura frequente nos corredores, acaba sendo alvo de explosões passionais de quem aguarda atendimento ou acompanha um parente em situação de risco.
É vítima de injúria, desacato, lesão corporal e difamação dentro da unidade onde exerce sua atividade. Amarga uma injusta insalubridade. Chega a ser irônico: aqueles que salvam vidas estão com suas vidas ameaçadas pelos próprios pacientes.
Nesta época nefasta de desestruturação dos lares, em que pais não são respeitados e professores são esfaqueados, nem nossos doutores e doutoras recebem proteção.
Não são mais valorizadas a disciplina, a hierarquia, a paciência. Virtudes extintas na atemporalidade e virtualidade líquidas, nas quais todo mundo pensa que sabe tudo, e no fim nada sabe. Muitos nem conseguem minimamente se comportar num lugar sagrado e silencioso como o hospital.
Eu reverencio os médicos. Cometem erros, mas são exceções numa rotina exaustiva de ressurreições. Em nenhuma área acontece um aproveitamento tão grande de acertos. Assim como nenhum curso leva tantos anos para formar um profissional. É necessário mais de uma década para criar um médico. Para ele se sentir médico. Para ser visto como médico.
O jaleco tarda a ser corpo, a se moldar na alma, a ser abotoado na personalidade.Não conheço nenhum bem mais precioso do que o tempo - tempo é ternura. O médico oferece as fases inteiras da sua maturidade para ser quem ele é, numa evolução infinita, numa atualização permanente. Mal pode ler algo fora de sua especialidade.
Deixará para depois a viabilidade de amores, de começar uma família. É um sacrifício por um dom. Para satisfazer uma urgência inexplicável dentro de si. Talvez você não perceba o que ele abdicou para estar agora à sua frente.
Não espere que o médico cozinhe, que seja um pé de valsa, que cante ou toque um instrumento. Ele não desfrutou de folgas. Usou sua completa intimidade para estudar. Para cuidar de você, para que confie no diagnóstico e no tratamento.
Se perguntar a um médico qual é sua comida predileta, ele responderá que é uma noite de sono. O luxo de uma noite de sono, pois já se conformou em emendar madrugadas em claro.
Se você amaldiçoa trabalhar no final de semana, imagine o que resta para um médico, capaz de fazer quatro plantões por semana, totalizando até 16 plantões mensais. Como geralmente não tem só um emprego, é possível que não disponha de um único dia livre.
Sem contar as ligações e mensagens a qualquer hora dos pacientes ou inclusive de familiares. Mesmo quando está viajando para um raro descanso, costuma ser chamado a uma emergência.
Sempre dizem que a caligrafia do médico é feia. A fama não condiz com a realidade. Eu diria que é firme, exata, de um coração atento. A distorção não está na letra, mas naquele que lê e pula as linhas, que não enxerga que quem a escreve não é um robô.
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