quinta-feira, 24 de julho de 2025


23 de Julho de 2025
MÁRIO CORSO

Caneta tinteiro

Fui alfabetizado em carteiras escolares onde havia um lugar para os tinteiros. Era um pequeno buraco na parte superior do tampo. Usava para colocar a borracha e o apontador. Caneta tinteiro era um privilégio a partir do terceiro ano do primário.

Ansiava por escrever com tinta. A imaginava como um degrau do percurso para ser adulto. Por isso, meus dois anos escrevendo a lápis foram longos. Ao menos eles tinham sua versão colorida para sublinhar, dar efeitos nos títulos e nas letras maiúsculas. Uso que pedia atenção e habilidade, ao contrário do grafite, o traço feito a cor era rebelde à borracha. Erros coloridos geram sérios problemas estéticos ao caderno.

Não esperei o terceiro ano para obter o troféu. Ao final do segundo ano, pedi essa recompensa aos meus pais. Ganhei uma flamante caneta tinteiro prateada. Um êmbolo interno sugava tinta nanquim. A tal operação de carregamento, para minha frustração, ficou ao encargo do meu pai.

Entendi a reserva ao manejar a caneta nova. Para principiantes, ela é uma arma de destruição em massa de cadernos, roupas e mochilas. O tinteiro em si, era uma arma ainda mais potente, incluía danos irreversíveis aos móveis, tapetes e ao piso. Captei porque o uniforme do colégio era quase todo preto.

Ao custo de manchas e borrões, domei meu passaporte para outra etapa da vida. Por gratidão, meu estojo ainda levava os lápis aposentados.

No recomeço das aulas veio o golpe: anunciaram que poderíamos optar pela caneta esferográfica. O colégio aderiu à modernidade daquela sirigaita recém chegada ao Brasil.

Tal uma hidra, as esferográficas multiplicavam tentáculos extras, eram canetas de duas, três, quatro, seis e até oito pontas coloridas. Em seguida surgiram as canetas hidrográficas.

Assisti à invasão plebeia do plástico que escreve. Metal apenas na minúscula esfera que arranha o papel. Um par de anos mais, e qualquer criança tinha uma na mão. Eu e minha caneta tínhamos subido um Everest que já não existia mais.

Frustrado, aproximei-me da máquina de escrever. Até criei um método próprio, superior ao comumente usado. Enquanto os adultos precisavam usar todos os dedos, eu conseguia preencher uma folha usando apenas um. _

MÁRIO CORSO

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