
Caneta tinteiro
Fui alfabetizado em carteiras escolares onde havia um lugar para os tinteiros. Era um pequeno buraco na parte superior do tampo. Usava para colocar a borracha e o apontador. Caneta tinteiro era um privilégio a partir do terceiro ano do primário.
Ansiava por escrever com tinta. A imaginava como um degrau do percurso para ser adulto. Por isso, meus dois anos escrevendo a lápis foram longos. Ao menos eles tinham sua versão colorida para sublinhar, dar efeitos nos títulos e nas letras maiúsculas. Uso que pedia atenção e habilidade, ao contrário do grafite, o traço feito a cor era rebelde à borracha. Erros coloridos geram sérios problemas estéticos ao caderno.
Não esperei o terceiro ano para obter o troféu. Ao final do segundo ano, pedi essa recompensa aos meus pais. Ganhei uma flamante caneta tinteiro prateada. Um êmbolo interno sugava tinta nanquim. A tal operação de carregamento, para minha frustração, ficou ao encargo do meu pai.
Entendi a reserva ao manejar a caneta nova. Para principiantes, ela é uma arma de destruição em massa de cadernos, roupas e mochilas. O tinteiro em si, era uma arma ainda mais potente, incluía danos irreversíveis aos móveis, tapetes e ao piso. Captei porque o uniforme do colégio era quase todo preto.
Ao custo de manchas e borrões, domei meu passaporte para outra etapa da vida. Por gratidão, meu estojo ainda levava os lápis aposentados.
No recomeço das aulas veio o golpe: anunciaram que poderíamos optar pela caneta esferográfica. O colégio aderiu à modernidade daquela sirigaita recém chegada ao Brasil.
Tal uma hidra, as esferográficas multiplicavam tentáculos extras, eram canetas de duas, três, quatro, seis e até oito pontas coloridas. Em seguida surgiram as canetas hidrográficas.
Assisti à invasão plebeia do plástico que escreve. Metal apenas na minúscula esfera que arranha o papel. Um par de anos mais, e qualquer criança tinha uma na mão. Eu e minha caneta tínhamos subido um Everest que já não existia mais.
Frustrado, aproximei-me da máquina de escrever. Até criei um método próprio, superior ao comumente usado. Enquanto os adultos precisavam usar todos os dedos, eu conseguia preencher uma folha usando apenas um. _
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