quinta-feira, 31 de julho de 2025


30 de Julho de 2025
CARPINEJAR

A decomposição alfabética da plataforma

O descaso do governo estadual com o Litoral Norte pode ser representado pela lenta decomposição da plataforma de Atlântida, na cidade de Xangri-lá, uma das principais atrações turísticas de nossas praias.

Mais uma parte de sua estrutura acabou avariada na tarde de segunda-feira, durante a passagem de um ciclone extratropical pelo Rio Grande do Sul.

Não foram só os ventos fortes, com mais de 100 km/h de velocidade, ou a maré alta que derrubaram mais 25 metros do pontal, e sim a indiferença renitente das autoridades com o nosso monumento ao pôr do sol.

É uma novela gradual de fragmentação, que acontece impunemente desde 1997, quando um setor da plataforma já havia cedido e nunca recebeu restauração. Em seguida, em 2016 e 2019, seções do píer despencaram por surtos violentos de ondas. Em 2021, já se filtravam os visitantes. Em 2023, o local sofreu interdição, após novo desabamento.

Como ignoramos um cartão-postal dessa magnitude, que servia para pesca e passeios familiares?

Em nenhum momento houve empenho de um governante para resgatar a edificação e garantir aporte federal. Os esforços se limitaram à administração municipal e à Associação dos Usuários da Plataforma Marítima de Atlântida (Asuplama), órgão independente responsável pela manutenção.

Era mais do que um mirante: nossa ponte para o horizonte, nosso elo para o infinito, nosso palco para os sonhos dos namorados, nosso calçadão para espiar o balé das baleias no inverno e admirar a coreografia dos surfistas no verão, nossa passarela de 280 metros para desfilar o bronzeado e sentir que estávamos pisando nas profundezas das águas.

O turismo é negligenciado na região. Um lugar que é adorado pelos gaúchos, que pertence ao nosso imaginário, que funcionava como ponto de encontro para caminhadas na orla, que acolhia 30 mil turistas por ano, nunca mais foi reformado. O abandono resultará no risco de desmoronamento total. As vigas não resistirão, de acordo com laudo técnico do Laboratório de Ensaios de Modelos Estruturais (Leme) da UFRGS.

A ironia é que a obra completou cinco décadas desde sua abertura oficial em 1975, um aniversário triste, sem festa, sem bolo e sem ninguém por perto.

O que sobrou é um esqueleto de sua época dourada.

Meu pai brincava que a letra T, de seu desenho arquitetônico original, significava "Tudo de bom". Eu acreditava. Era tradição comer milho no quiosque, correr até a sua ponta, tirar fotos, acompanhar a sorte do anzol de quem estava ali, ouvir o sacolejo das ondas e ver qual o balneário mais frequentado naquele instante: Atlântida de um lado ou Capão da Canoa de outro. Havia até quem jurava ter visto lobos-marinhos em suas imediações, e eu me encantava com o mundo animal que a plataforma prodigiosamente reunia.

Ela perdeu um dos braços, e se transformou em um L. Continuamos a brincadeira, dizendo que era de "Litoral". Eu subia a sua rampa com os meus filhos.

Agora já é um I, na desagregação alfabética, que indica a "Iminente" destruição. Meus netos jamais a conhecerão. Não brincamos mais. O oceano virou suas costas para nós. _

CARPINEJAR

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