segunda-feira, 28 de julho de 2025



28 DE JULHO DE 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Comida de paraquedas

Depois de uma semana em que as imagens da fome em Gaza horrorizaram o mundo, Israel anunciou uma "pausa tática na atividade militar", o que permitiu o deslocamento de caminhões com ajuda humanitária e o sobrevoo de aeronaves, despejando comida de paraquedas sobre o território. Israel nega ser responsável pela catástrofe humanitária e acusa o Hamas de sequestrar a comida que chega. Ainda que a "pausa tática" possa ser apenas uma resposta momentânea às críticas da comunidade internacional, na infeliz história dessa guerra iniciada em 7 de outubro pelos terroristas, é melhor do que nada.

Já faz muito tempo que todos os lados perderam a razão. O Hamas, além de roubar comida e remédios, faz a população palestina refém de sua causa. Israel permite que caminhões ingressem em Gaza, mas não o suficiente nem na velocidade necessária para aplacar o caos. Esses veículos transitam alguns quilômetros e são engolidos pela multidão esfomeada. Não há segurança nas rotas - "é o lobo homem do próprio lobo" em sua versão mais ancestral.

As Forças de Defesa de Israel (FDI), que precisam garantir que não há armas nos carregamentos, acabam atrasando ou negando movimentos regulares coordenados para a entrega. Sem falar que quase 70% das rodovias de Gaza estão danificadas.

As novas regras também tornam a distribuição um funil: o novo sistema, por meio da chamada Fundação Humanitária de Gaza (GHF) centraliza demais a distribuição. A ONU e outras agências não cooperam com o órgão, porque o consideram desumano e militarizado - centenas de palestinos foram mortos por tiros quando iam buscar comida, o que indica truculência.

A ajuda despejada de aviões - por Israel, Jordânia e Emirados Árabes Unidos - normalmente agrada fotógrafos de guerra e dão certo acalento à opinião pública internacional de que algo, finalmente, está sendo feito. São ações que rendem imagens impactantes, mas insuficientes. Isso não vai acabar com a fome em Gaza.

Lá embaixo, os paletes, quando caem, podem ferir - como já ocorreu nesses dias - ou matar. Se despencam sobre um escombro de residência, provocam mais danos. Crianças correm para muito longe de seus pontos de referência para pegar a carga. Quando a multidão alcança o lote, há confusão, brigas. Se caem em áreas minadas, o alento se transforma em armadilha. Lançar comida de paraquedas é considerado o último recurso - o que sugere a que nível pavoroso chegamos neste conflito.

Somente uma operação humanitária irrestrita e um cessar-fogo podem resolver a crise. O segundo é pré-requisito para o primeiro. Com passagens abertas, corredores seguros, é possível conectar Gaza à Jordânia. A porção norte do território fica a não mais de 30 minutos de carro de Ashdod, onde há um moderno porto, que poderia receber apoio internacional. Toneladas de comida, de forma organizada, poderiam chegar por ali. Não é difícil. Não é impossível. Basta querer. Mas as armas precisam ser caladas primeiro. _

Entrevista - Cláudia Costin - Especialista em educação

"Nós, professores, não queremos piedade, queremos respeito"

A especialista em educação e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial Cláudia Costin estará hoje na Capital para a palestra "Desafios e oportunidades da educação: a importância do engajamento e compromisso de todos para o sucesso na aprendizagem", parte de um ciclo de eventos organizado pela Secretaria Municipal de Educação para professores, diretores e demais profissionais da rede municipal. Ela conversou com a coluna.

Quais os principais pontos que serão abordados?

Vou começar falando da Agenda 2030. O mundo pactuou que vamos garantir educação de qualidade para todos. Parece obviedade, é muito desafiador: no Brasil, somos um dos últimos países a universalizar o acesso ao ensino primário no continente americano. Demoramos muito a colocar todas as crianças na escola. A questão da qualidade ainda é um desafio enorme. É muito fácil dizer: "Nosso papel, enquanto sistema, é garantir que as aulas ocorram, aprender depende de cada aluno". Isso significa prejudicar os mais vulneráveis. 

O papel do sistema escolar, especialmente do público, é fazer com que todos aprendam e não dizer: "Eu ensino e, depois, a gente vê como acontece". No caso brasileiro, 68% do sucesso escolar de uma criança depende de quantos anos seus pais estudaram. Isso quer dizer que a escola tem um certo poder de atuação, mas não completo, porque, se a criança veio do meio mais vulnerável, seus pais provavelmente estudaram menos.

E a formação dos professores?

Infelizmente, pagamos mal os nossos professores. Pagamos, em média, um terço do que países com bons sistemas pagam. É muito ruim, porque queremos ter uma carreira de professor atrativa. Para complicar ainda mais, no Fundamental II e no Ensino Médio, o professor tem seus contratos fragmentados: dá 10 horas em um município, 16 horas em outro, e algumas aulas à noite para completar uma carga horária de 40 horas. 

Temos um problema de atratividade da carreira, que se agrava ainda mais quando a população olha para esse professor como alguém que merece pena, mas não respeito e admiração profissional. Toda vez que a opinião pública fala de professores, é para falar como eles sofrem. Nós, professores, não queremos piedade, queremos respeito e admiração profissional, mas, infelizmente, muitos de nós acabam vestindo a carapuça, não se sentindo com o direito de ter orgulho das nossas próprias práticas. Isso é um problema, e a formação reforça isso, porque sete em cada 10 professores é formado exclusivamente por EAD.

E o problema da evasão escolar?

Há uma correlação fortíssima entre reprovação e evasão escolar. O aluno, se começa a repetir, muitas vezes os pais que têm uma formação mais insuficiente, acham que ele não é "feito" para escola, talvez devesse trabalhar. A pandemia agravou isso, porque muito adolescente começou a trabalhar em atividades precarizadas, a colocar dinheiro em casa e a ser mais respeitado. Isso trouxe uma visão inadequada. No Ensino Médio, é mais grave, porque, se ele estiver com defasagem da idade/série, ou seja, mais velho do que a idade correta para a série dele, e repete mais uma vez, ele próprio vai chegar à conclusão de que estudar não é para ele.

Como traçar uma política pública que continue, mesmo com mudanças de governo a cada quatro anos?

Gosto muito da metáfora da construção da muralha da China. Ela foi erguida ao longo de centenas de anos. Se fosse política pública, chegava o próximo (governante) e destruiria o pedaço construído pelo anterior. Estariam sempre começando do zero. Naturalmente, não foi assim que foi construída, e a política educacional tem de ser vista dessa maneira (com continuidade). Pequenos ajustes precisam ser feitos, especialmente no caso de Porto Alegre, que acompanho há alguns anos. Chama muita atenção o fato de a cidade ter o mais alto salário entre as capitais. O processo de ensino não é focado em garantir aprendizagem para todos, ou, historicamente, não foi assim. Há algo para se ajustar nessa muralha da China, porque havia uma abordagem complicada, que não fazia avançar. 

Não quero, com isso, questionar os secretários anteriores, porque acompanhei os esforços de alguns para mudar a lógica. É importante que a gente estruture o processo de ensino pensando em como fazer com que todos os alunos aprendam. Algumas coisas têm de ser repensadas. É o diretor da escola que organiza essa orquestra de professores. Ele tem de ser o líder da aprendizagem. Algumas disciplinas demandam mais tempo para se aprender, mais carga horária. O importante não é a carga horária igual para todos os professores, é qual a carga horária é necessária para o ensino de cada conteúdo. Quais disciplinas são fundamentais para todas as outras? Por exemplo, não saber ler e escrever até o quarto ano significa que eu não vou conseguir aprender, com autonomia, História e Geografia. Se eu não aprendo Matemática, eu não vou aprender Ciências. 

INFORME ESPECIAL

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