quinta-feira, 31 de julho de 2025



30 de Julho de 2025
MARIO CORSO

Terapia por IA

Um artigo na Harvard Business Review (abril de 2025) aponta o uso de inteligência artificial para apoio e terapia como um dos principais usos desta tecnologia. Era esperado. Em tempos de conexões digitais e afetos superficiais, a solidão virou moeda corrente. O individualismo cobra seu preço: isolamento em meio à multidão. Nesse vácuo, até um algoritmo pode parecer acolhedor. Sem companheiro ou amigos, trocar ideias com um chatbot é melhor do que nada.

Sem preconceitos. Para quem, nas madrugadas insones, conversa sobre o sentido da vida com pessoas ainda mais atrapalhadas, deprimidas, ou perversas, a IA seria uma boa saída. Ao contrário dos humanos, está sempre disponível e é incansável.

É difícil abrir-se sobre nossa intimidade, fragilidade e angústias com um desconhecido. A máquina facilita neste quesito, e ser gratuita resolve outro problema. Apenas o registro do sofrimento, como se faz em um diário, já tem efeito terapêutico, é um começo de elaboração.

O problema é que o nosso ego é um advogado brilhante e desonesto. Seu custo é manter na sombra o que arranharia nossa autoimagem. Por isso, os outros podem saber melhor de nós do que nós mesmos. Na prática, a IA não nos descentra, ao contrário, ela produz viesses de confirmação, ela oferece mais argumentos para o já sabido, ela tende a ser um extensão egoica.

Além disso, a IA entrega o que nem deveria oferecer - um diagnóstico. Seduzidas pela ilusão de que nomear é compreender, as pessoas o buscam como atalho para a cura. Além de poder estar errado, o diagnóstico é uma bengala que pode virar cela. Ele reduz a complexidade do sujeito, fecha-se para novos sentidos, pode tomar como doença algo que é um processo e ainda, pode tornar-se uma profecia autorrealizável, onde o paciente passa a agir conforme o rótulo.

Falta à IA o que define a terapia: a coragem de habitar a incerteza. Somos feitos de palavras que sangram, desejos que contradizem narrativas, silêncios que dizem mais que diagnósticos. A cura - quando vem - chega disfarçada de acidente: um insight roubado entre duas frases, um gesto impensado do terapeuta, um riso que desmonta o sofrimento. Nada disso cabe em algoritmos. _

MARIO CORSO

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