
O filho de volta ao ventre
A leitora me escreve: "Estou passando por uma fase onde eu vivo um luto de um filho vivo. Meu filho de 11 anos passou por uma cirurgia e não se sabe, ou eles não falaram a verdade. Meu filho está vegetando numa cama. Uma vida inteira pela frente, sonhos pra viver, planos que foram tirados de nós. Tema da escola que não poderei mais brigar, viagem que não poderei mais levá-lo, gargalhadas que não daremos mais, séries a que não assistirei mais, comidas que eu não consigo mais comer porque lembram a dele, porque era a comida preferida dele. Como viver dessa forma?".
Não poderia deixar escapar nem mais um dia sem escrever para você. Para uma mãe com o filho inconsciente na cama de um hospital, a espera é uma eternidade.
Tenho certeza de que está debruçada sobre sua criança como uma árvore, oferecendo proteção e os frutos na boca descascados, separando as sementes pequenas da polpa. Mãe dá à luz e também dá sombra.
Imagino que você não se afaste nem por um momento. Não realiza mais nada na vida. Não pensa em outra coisa. Tudo é ali, tudo ocorre naquele quarto. Não há mais planos, projetos, viagens, contas, casamento, família. O tempo parou. O tempo depende do diagnóstico para tornar a correr. É um cronômetro que você põe no seu pulso, no lugar de um relógio.
Já não come, para aguardá-lo. Já não trabalha, para se mostrar inteiramente disponível. Já não sonha, para vigiar seu despertar. Já não atende ninguém, para não perder nenhum som da devoção. Seu telefone acumula mensagens.
Só existe agora o seu amor - lindo, curativo, pleno. O amor insuperável de mãe. Um amor que não aceita evidências, fatos, razões. Um amor imprevisível, que não tem como ser limitado.
A fé atravessa paredes, tabus, coma. Seu filho não morreu: ainda escuta você. Jamais podemos nos precipitar pelo medo. Sofrer antes não nos poupa de sofrer depois. Toda dor é sempre inédita.
A medicina não antecipa nem a má notícia, nem a boa notícia. Mantém a neutralidade do passo a passo. É tão prejudicial o otimismo quanto o pessimismo. A falsa esperança é capaz de aprofundar o tombo e dobrar as sequelas emocionais. Expectativas são medidas e controladas no ambiente ambulatorial.
Seu papel é não desistir. Apesar das provas contrárias. Você escolheu um lado: ficar ao lado do seu menino. Faça de conta que ele está no seu ventre. Volte a conversar com ele como na gestação, naquele segredo dos dois que o mundo nunca conseguiu traduzir, entendendo as contrações como respostas.
Naquela época, as pessoas também achavam estranha a sua comunicação. Mas você confiava que ele ouvia. Desde o útero, ele reconhece a sua voz. Sabe que é você. Você foi o primeiro timbre dele, e ele foi o seu eco.
Lembra que colocava suas músicas prediletas, lia livros, acariciava o rosto oculto no contorno da barriga?
Ele está em você. Nunca saiu de dentro de você. Vocês compartilham uma linguagem que as minhas palavras não alcançam, um vínculo que ultrapassa o corpo. _
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