
Bolsonaro é só pretexto para Trump
A metralhadora giratória de Donald Trump, que alguns dias depois de ameaçar com a imposição de tarifas ao Brasil faz o mesmo com México e União Europeia, revela duas perspectivas interessantes nessa novela rocambolesca: primeiro, que não se trata de uma disputa entre EUA e Brasil. É de Trump contra o mundo - mais especificamente o mundo liberal, aliás, que muitos conservadores (Jair Bolsonaro, inclusive) dizem defender.
A coluna já comentou algumas vezes que essa tática se utiliza do verniz liberalizante, mas que, de liberal, não tem nada. Qual liberal seria, por exemplo, contra o processo de globalização?
Voltemos à disputa Trump x mundo. O presidente americano sempre encontra uma desculpa em suas "cartas" aos governantes para fazer chantagem comercial: o negócio de Trump não é anistiar Bolsonaro ou os golpistas do 8 de Janeiro, seu negócio é poder, a bravata do valentão, e impor o protecionismo diante de parceiros para negociar melhores condições comerciais para os EUA. Tanto que não há qualquer simpatia ideológica na UE, por exemplo, a um determinado grupo (como, em tese, teria à família Bolsonaro), para ele ameaçar sobretaxar, em 30%, o bloco. No caso do Brasil, Bolsonaro é pretexto.
Ninguém faz comércio internacional por amizade. Fosse isso, Trump não teria imposto tarifas (e depois as retirado) sobre o Brasil com Bolsonaro no poder. Fosse isso, a China não seria, naquele período, o principal destino das exportações brasileiras. _
Entrevista - General Richard Fernandez Nunes - Chefe do Estado-Maior do Exército
"Uma instituição de Estado não pode se envolver em política partidária"
Chefe do Estado-Maior do Exército, o general Richard Fernandez Nunes esteve em Porto Alegre em 3 de julho para palestrar no Comando Militar do Sul (CMS) sobre "comunicação estratégica e relações institucionais". Ele conversou com a coluna.
Por que o Brasil investe pouco em defesa?
O modelo de gestão orçamentária do país chegou ao limite. Não há como prosseguir dessa forma, porque as despesas de caráter obrigatório, de custeio, vão inviabilizar qualquer planejamento futuro. Quando a gente fala de Forças Armadas, que precisam obter capacidades para enfrentar desafios que vão se atualizando a todo momento, temos de ter uma capacidade de resposta mais adequada. Se a gente somar a isso à incerteza em relação aos recursos que vamos poder obter, fica realmente muito difícil raciocinarmos com um planejamento de defesa, uma política de Estado de longo prazo. A gente não pode improvisar. A questão da previsibilidade é fundamental, tem sido proposta pelo ministro José Múcio Monteiro (Defesa). Mas, do jeito que está o modelo orçamentário do país, é difícil que isso seja encampado.
Como melhorar?
A falta de previsão orçamentária acarreta mudanças no escopo do projeto. Algo que era para ficar pronto em 10 anos, passa para 20. Se a gente imaginava adquirir 600 blindados, já tem de reduzir para 500, daqui a pouco para 400. Perdemos em quantidade e qualidade. Outro exemplo: o sistema integrado de monitoramento de fronteiras, o SISFRON, é organizado em nove áreas. Havia um calendário de implantação. A todo momento, a gente precisa rever isso e postergar prazos, porque não se consegue cumprir as metas por falta de recursos.
Hoje, quanto que o Brasil deposita em defesa, em relação ao PIB?
Em torno de 1,08%.
Isso já inclui a questão dos inativos e pensionistas?
Inclui. Quando a gente compara, em termos percentuais, com outros países, estamos no fim da fila, seja no continente sul-americano e, muito mais ainda, no cenário mundial. A Colômbia está na nossa frente. O Uruguai está na frente. O único país em posição desvantajosa, mas que já está revertendo isso, é a Argentina.
Como o senhor acredita que o Brasil deve se posicionar em relação às ameaças externas atuais?
A nossa visão tem de ser abrangente, multidisciplinar. Um país com a dimensão do Brasil não pode se restringir a um ou outro cenário. Quase todos nos impactam. Devido às relações comerciais que o Brasil possui, devido à complementaridade da economia, a gente precisa ter parceiros.
O Brasil não é um país autossuficiente, mas contribui muito para a segurança alimentar do mundo. Somos um país rico em recursos, mas que depende de relações amplas com vários segmentos do espectro geopolítico. É difícil ter um posicionamento que nos restrinja a um determinado tipo de parceria. Temos de continuar lidando com todos.
Que oportunidades o senhor considera para o Exército com a inteligência artificial?
Fomos clarividentes. Em 2024, expedimos a diretriz estratégica de inteligência artificial para o Exército. Definimos dois grandes eixos: um aplicada aos meios de combate, para que possamos fortalecer nossas capacidades. E outro na atividade de apoio, porque o Exército é uma instituição muito complexa.
Criamos um comitê de governança, para deixar claro que, em nosso país, o Exército raciocina com o controle humano das ações e que a questão ética é fundamental. Não vamos abrir mão de princípios e valores que nos caracterizam por conta de uma nova tecnologia. Temos de subordiná-la aos princípios consagrados que balizam o nosso ordenamento.
Como está a relação cívico-militar?
Estamos em um momento de estabilização. Passamos boa parte do século XX condicionando o debate civil-militar ao 31 de março de 1964. Agente estava em uma marcha de modernização, de transformação do Exército, de abertura de portas. Aí veio todo esse processo que redundou no 8 de Janeiro. Então, além do 31 de março, tem o 8 de Janeiro. Diante daquele cenário, eu olhava para o futuro com mais preocupações do que hoje. O Exército deu uma resposta muito adequada institucionalmente. Vejo hoje a instituição muito disciplinada, sabendo qual é o seu papel constitucional.
Quando esse processo se encerrar e as responsabilidades forem definitivamente apuradas, a gente vai colocar uma pedra sobre isso para que possamos continuar na caminhada, de um Exército identificado com a sociedade. Uma instituição de Estado não pode se envolver em política partidária, porque tem missão constitucional nobre, que demanda comprometimento com a sociedade, alheia a essas questões, que são normais de uma democracia, mas que não devem afetar as Forças Armadas. _
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