segunda-feira, 21 de julho de 2025


21 de Julho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais - "Fui surpreendido pelo tamanho da agressão"

Roberto Abdenur

Roberto Abdenur foi ouvido pela coluna em janeiro, ainda antes da posse de Donald Trump. Previu que o Brasil seria prejudicado pela guerra comercial, advertiu que o presidente dos EUA seria "capaz de qualquer coisa" e antecipou até o rompimento com Elon Musk. Acertou tudo, mas, agora, diz ter sido surpreendido pela gravidade. E lamenta que seu prognóstico seja de que, no curto e médio prazo, a situação siga ruim e possa até piorar.

O senhor previu atitudes de Donald Trump, foi observação?

Olha, previ que o Brasil seria afetado, mas não com essa gravidade. Fui surpreendido pelo tamanho da agressão. Tem motivação ideológica. Dos anos 1950 até os 1990, os EUA eram nossos adversários no comércio, com barreiras às nossas exportações. Com Obama e Dilma, a relação chegou ao ponto mais positivo. No governo Trump, os EUA voltaram a ser adversários, quase inimigos do Brasil.

Temos tamanho para isso?

A China é um desafio estratégico muito grave, está deixando os EUA para trás em várias áreas importantes. Então, China à parte, o Brasil é o país mais hostilizado por Trump hoje, por razões ideológicas e políticas, pela associação com Bolsonaro. Chama atenção porque, embora existam essas questões, o Brasil não é nem de longe sombra para os EUA em quase nenhum aspecto.

Vê algo econômico ou técnico para justificar essa fúria?

A preocupação de Trump com a iniciativa do Brics de contornar o dólar como moeda de transação e reserva. A China, silenciosamente, desenvolveu um sistema paralelo ao chamado Swift, que é uma forma de trocas entre bancos internacionais capitaneado pelos EUA. No comando dos Brics, Lula tornou muito visível a busca de um número crescente de países para evitar o dólar. Brasil não é um país com a mesma proporção, mas uma das 10 maiores economias. E o dólar está se enfraquecendo, desmoralizado como moeda de confiança do por ação do próprio Trump.

Ele quer desvalorizar, não é contradição?

Trump está cheio de contradições. Quase tudo que faz é lesivo aos interesses reais dos EUA. É surpreendente que ainda tenha muito apoio. Agora, começa a crescer o repúdio ao que está fazendo na sociedade americana. Trump está demolindo a democracia americana, que tem 250 anos. Era a mais inabalável, está sendo desgastada, o que é muito grave. Para os EUA e para o mundo, porque é um estímulo a forças de extrema direita em outros países.

Quanto economias de Brasil e EUA são complementares?

Os EUA dependem de poucos produtos brasileiros. Não são estratégicos, mas estão no consumo diário da população, como café, suco de laranja, açúcar, celulose. Muitas empresas americanas têm plataformas de produção no Brasil, complementares às que têm nos EUA. Fabricam aqui insumos ou componentes levados para a montagem final. Há indústrias brasileiras que consomem muitos componentes americanos. Ao menos 40% de cada avião da Embraer consiste de peças produzidas nos EUA. Se deixar de vender aviões para os EUA, as empresas americanas vão deixar de vender peças para a Embraer.

Existe freio possível?

Nos EUA, (Trump) tem domínio completo sobre o Partido Republicano, por enquanto majoritário no Congresso. A Corte Suprema está sendo conivente, decidindo a favor dele, dá liberdade de ação. Começou antes da posse, ao decidir que um presidente americano não pode ser indiciado por crimes cometidos no uso de suas atribuições. Trump esticou os poderes do Executivo aos limites do que é possível dentro da normalidade e foi além. Tornou-se um autocrata em 360 graus, ataca saúde, educação, universidades, estrangeiros. Trump não é um disruptor, é um destruidor.

A investigação do USTR pode ser fórum para manifestação das partes?

Em condições normais, abriria um processo no qual o Brasil teria voz. Representantes do governo e do setor privado poderiam defender nossos interesses. Mas agora o USTR é dominado por Trump, de modo que, infelizmente, não creio que haverá um processo justo em que o Brasil possa se defender.

Como é difícil sustentar tarifa de 50%, o que se espera?

Algumas pessoas dizem que é preciso dialogar, negociar. Se o (Geraldo) Alckmin for a Washington e chegar ao USTR, vai bater com o nariz na porta, porque está fechada, ao menos por enquanto. Os 50% vão causar um imenso dano ao Brasil e também aos EUA. O problema é que vai levar tempo para que os efeitos destrutivos cheguem à população americana. Infelizmente, meu prognóstico é de que, a curto e médio prazo, a situação vai ser ruim e até piorar.

O que pode piorar?

Não sei o que pode acontecer, mas a capacidade dos EUA de causar danos a outros países com ações políticas, econômicas, comerciais e financeiras, é muito grande. Podem criar obstáculos a investimentos, dificultar transferências de tecnologia. _

Embaixador do Brasil nos EUA por três dos 45 anos de sua carreira diplomática muito focada nas relações econômicas

GPS DA ECONOMIA

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