segunda-feira, 7 de julho de 2025



07 de Julho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Zeina Latif - Sócia-diretora da Gibraltar Consulting Economia, ex-secretária do Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, bacharel, mestre e doutora em Economia pela Universidade de São Paulo (USP)

"É urgente recuperar a capacidade de investir do RS "

Um artigo publicado em 18 de junho pela economista Zeina Latif no jornal O Globo chamou a atenção de muitos gaúchos. Com o título "Ficou para trás", afirma que o RS "apresenta algumas deficiências superlativas em relação ao restante do Brasil e sua economia ficou para trás". Não é agradável de ler, mas precisa fazer pensar. Como contribuição, a coluna ouviu a economista para esclarecer os motivos do artigo e aprofundar o debate.

Por que escreveu o artigo?

Estou sempre olhando dados, inclusive regionais, por causa do meu trabalho, tanto por demandas de clientes quanto por interesse meu. Já escrevi sobre o Rio de Janeiro, que também tem saída muito forte de pessoas, comprometendo o crescimento do Estado. Lá, há uma razão comum ao RS, a fiscal, mas também tem a violência. Por causa da COP30, escrevi outro sobre o Pará, que cresce muito com atividade extrativa, sem melhora de indicadores sociais nem crescimento disseminado da região e é marcado por violência e grilagem.

Também quis apontar um risco futuro para o Brasil?

Sim, quando vou para o RS, até porque meu marido tem família aí, fico olhando para o que funciona, o que não funciona. E para pontuar, quando começaram as reformas estruturais, fiz questão de elogiar, sugeri que o exemplo do RS fosse seguido. Só para deixar claro que não tem motivação senão a curiosidade de economista.

Ter ficado para trás não quer dizer que o RS não possa voltar a avançar, certo?

Sim, e seria injusto dizer que não tem esforço do governo do Estado, principalmente na questão fiscal. No artigo, levanto duas possibilidades. Uma é a falta de capacidade de investimento do Estado diante de novos desafios. Não só o governo federal, também os entes subnacionais precisam reforçar orçamentos para demandas ambientais. Quando houve a triste enchente, o socorro precisou ser fora do orçamento. O Estado precisa ter grau de manobra para lidar com eventos mais frequentes.

A principal causa é a fiscal, com endividamento?

Sim, mas São Paulo também tem dívida elevada. O problema é que, quando o Tesouro analisa crédito, olhando não só a dívida, mas também liquidez, o RS tem a pior nota, que é D (de "default, ou calote). Essa situação foi uma construção, não foi da noite para o dia. Houve uma sequência de governos que não trataram bem as contas públicas. E combinada à questão demográfica, agrava o quadro. O Estado cresce menos, a arrecadação fica menor, a saída de pessoas também impacta arrecadação e crescimento. Vira uma bola de neve. Se não arruma as finanças públicas, vai colher, cedo ou tarde, as consequências. Esse debate chegou aos Estados Unidos, que hoje o mundo todo financia, mas já começa a querer diversificar investimentos (em outros países e moedas).

Outro motivo é a alta judicialização. Identifica a origem desse comportamento?

Pesquisei bastante sobre a origem da maior insegurança jurídica e a elevada judicialização no RS, mas não consegui identificar. Discutem-se questões históricas, mas não há associação direta. Seria saudável entender esses processos para que se faça o diálogo com o Judiciário, com o Estado de uma forma ampla, que muitas vezes acaba sendo litigante.

Você aponta maior proporção do Judiciário em relação à população, tem justificativa?

Uma coisa é decorrência da outra. A sociedade demanda, e as instituições reagem. Tem um economista candidato ao Nobel, Ed Glaeser, que diz que se aprende que não tem almoço grátis, mas aponta a segurança jurídica como almoço grátis. Ter regras fortes reduz a incerteza legal, protege negócios, reduz complexidade regulatória, até contém corrupção. Garantir segurança jurídica é transformador, diz Glaeser.

O "descolamento" que você vê em relação a SC e PR tem outros componentes?

O envelhecimento é fruto de fluxos migratórios, os jovens vão embora. Por que não empreendem no RS? E tem outro fator. Passei alguns meses como secretária de Desenvolvimento de São Paulo, que perdeu muito para SC por incentivos fiscais. Parte desse crescimento ocorreu por incentivo fiscal, que não é a melhor forma. Mas, no RS, se vê um círculo vicioso de um Estado que não consegue atrair jovens empreendedores e isso acaba realimentando outros problemas.

O que os gaúchos precisam fazer para superar esse atraso?

Tenho muita confiança na capacidade de debate público. Isso que estamos fazendo: discutindo. É preciso ter diagnóstico, as universidades podem se aprofundar nesses temas, trazer o Judiciário. O RS é um Estado com capital humano muito alto. É uma sociedade com alto grau de coesão, tem matéria-prima para isso. Tem gente que vai discordar, dizer que não é nada disso. Certo, vamos olhar os números, aprofundar as pesquisas. Precisa ter diagnóstico até para reduzir o efeito prejudicial de polarizações que dificultam esse debate. Vejo plena capacidade de superar.

Qual é o grau de urgência desse problema, há necessidade de medidas de curto prazo?

Olhando o quanto o Estado descolou dos vizinhos, é bem urgente. É urgente recuperar a capacidade de investir do RS. Precisa ter medidas concretas de curto prazo. Por exemplo, nos próximos quatro anos fazer revisões de marcos, em diálogo com o Judiciário. É preciso ver o que acontece no resto do país, entender a experiência de outros Estados, consolidar jurisprudências, porque isso é um problema. É preciso ter um plano de voo, mas já com ações de curto prazo, para estancar esse movimento.

O Brasil também passa por um impasse fiscal. Qual é seu diagnóstico?

Veja, há falhas de todos os lados. Não tem mocinho ou bandido. Claro que a liderança de uma agenda de ajuste fiscal tem de ser do Executivo, que, na minha visão, partiu de diagnósticos equivocados da questão fiscal, na linha de que, se a gente recuperar a arrecadação, está resolvido. Não é assim, porque os gastos crescem automaticamente. Por mais que o país tenha muitas distorções tributárias, a sociedade reage, os grupos reagem. Houve iniciativas do governo que, na minha opinião, foram na direção correta de proporcionar isonomia em investimentos. Mas faltou a contrapartida de contenção de despesas. A credibilidade é muito importante, e o governo errou. Mas é claro que o Congresso é sócio, seja por emenda parlamentar ou barganha política. Agora, não tem como também fugir das suas responsabilidades. _

GPS DA ECONOMIA

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