Na calamidade, divergências políticas ficam para trás
Coube ao repórter André Malinoski transmitir pela Rádio Gaúcha o primeiro relato da situação em Roca Sales, na manhã de ontem. De Teutônia, para onde se deslocou porque Roca Sales estava sem sinal de internet, Malinoski fez uma descrição que emocionou os ouvintes da Gaúcha e os colegas de trabalho.
- As pessoas vagueiam pelas ruas sem saber o que fazer ou a quem recorrer. Muitos choram em frente aos terrenos onde antes ficavam suas moradias.
Essas palavras, somadas aos relatos dos jornalistas Leandro Staudt e Paulo Germano, que estavam em Lajeado, despertaram uma onda de solidariedade, com pessoas de diferentes pontos do Estado querendo saber como ajudar. O verbo "ajudar" será pelas próximas semanas um dos mais usados nos vales dos rios Taquari, Caí e Jacuí. Porque a situação de calamidade pública não é apenas um conceito jurídico para destravar a burocracia e facilitar a liberação de recursos e a compra de equipamentos e produtos para uso emergencial.
É uma calamidade pública o que os repórteres viram em Roca Sales, Muçum e Lajeado. Por isso, o que está se vendo no Rio Grande do Sul neste momento de consternação é uma união de forças poucas vezes vista.
O governo do Estado mobilizou suas equipes desde segunda-feira, mas viu que são insuficientes e pediu socorro ao Comando Militar do Sul.
O governo federal garantiu os recursos necessários e mandou dois ministros e o chefe da Defesa Civil para sobrevoarem as áreas atingidas e levantarem as necessidades de ajuda. Paulo Pimenta e Waldez Góes sobrevoaram Muçum e Roca Sales acompanhados do governador Eduardo Leite como membros de uma força-tarefa que se formou sem olhar para partidos ou pretensões eleitorais.
"Parece que jogaram uma bomba", afirma morador
Os habitantes de Roca Sales aproveitaram a tarde ensolarada de ontem para começar um mutirão de limpeza e avaliação dos estragos. Em alguns pontos do município, os destroços estão por todos lados. A área central da cidade e a Rua Napoleão Maioli exibem casas destruídas, postes derrubados, carros prensados contra paredes ou de cabeça para baixo.
- Parece que jogaram uma bomba aqui. É como se tivesse tido uma guerra - impressionava-se o industrial Alessandro Freitas, 28 anos, que mora no bairro 7 de Setembro e caminhava pelo Centro.
A impressão era a mesma para a aposentada Noely Schuck, 62. Ela vive na Rua 31 de Março.
- Nunca vi algo assim. Não perdi nada, mas minha filha perdeu tudo - lamentou.
O auxiliar de produção Alisson da Silva, 23, estava acompanhado da esposa Daniela Schimidt, 29, e dos dois filhos pequenos. Não sabia onde passariam a noite.
- Morreu muita gente. A prima de minha esposa morreu segurando os dois filhos no colo - contou.
Em paredes de casas era possível ver as marcas da água. Em muitos locais, passou dos três metros. O Rio Taquari já parece aprumado em seu curso, mas o estrago está feito. O mesmo rio que estampa o brasão do município e é enaltecido em versos de seu hino foi o causador de destruição e mortes.
Irmãos se salvaram na copa de árvore com 30 metros
O montador de móveis Marcos Saldanha, de 42 anos, viveu a vida inteira em Roca Sales e nunca havia passado por momentos de apuros como os da última segunda- feira. Com a água do Rio Taquari subindo, arrastando casas, árvores e postes, pouca gente se arriscava fora de um abrigo. Eram chuva e vento intensos. Porém, Marcos saiu em um caiaque para buscar o irmão Dionathan Saldanha, 32, na região central da cidade.
- Durante a tempestade, o caiaque virou. Subimos na árvore. Não tinha mais para onde subir - relata.
No topo da árvore com mais de 30m de altura, os irmãos viram a água subindo sem parar. Eram 23h. Ventava e as horas foram avançando. Começou um chuvisqueiro e veio o frio. E os dois lá no alto, no escuro e à espera de um milagre.
- Vi muitas casas passando por nós, batendo na árvore e seguindo adiante - relatou Marcos.
Após a escuridão, chegou um novo dia. Um conhecido passou em um barco perto da árvore e olhou para o alto, onde os irmãos se agarravam nos galhos e na vida. Marcos e o irmão foram salvos, após sete horas e meia pendurados sem saber o que seria deles. Apesar de tudo, estão bem.
Fé
Ontem, Marcos fazia um churrasco em um tonel improvisado a céu aberto onde antes ficava a sua garagem - que foi destruída. A casa, pouco atrás, está por um fio. Deve desabar a qualquer momento. A perda foi total lá dentro.
Ele contou que tem fé em Deus. Mas naquela noite houve algo mais: uma vontade de viver que saía do peito. Acostumado a transformar árvores em móveis, Marcos foi salvo por uma. Não sabe qual era, se um jacarandá ou alguma outra. Mas jamais vai esquecer das cenas que viu quando esteve no alto de sua copa.
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