O exército de Scliar
Lançado em agosto de 1973, O Exército de Um Homem Só (L&PM), de Moacyr Scliar, chega aos 50 anos com a mesma graciosa atualidade que vem fascinando leitores no Brasil e no Exterior. Para comemorar a data e para relembrar o saudoso autor, será realizada no próximo dia 28 a mesa redonda O Herói Solitário de Scliar, na Federação Israelita do Rio Grande do Sul (Rua João Telles, 329), com a participação de Abrão Slavutzky, Carlos Gerbase, Regina Zilberman, Tulio Milman e esta que vos escreve.
Terceiro livro de uma carreira que chegou perto da marca de 70 obras publicadas - Histórias de um Médico em Formação, volume de estreia, sempre foi renegado, não sem certo humor -, O Exército de Um Homem Só gira em torno de Mayer Ginzburg, chamado por chacota de Capitão Birobidjan, cuja família fugiu da Rússia em 1916, depois do pogrom de Kischniev - no qual a ira antissemita justificou estraçalhar até bebês de colo -, e que veio dar com os costados no bairro do Bom Fim.
Um dos personagens essenciais da literatura brasileira ou internacional, figura construída em minúcias e completude de tormentos, espécie de Dom Quixote da diáspora, Mayer tinha lá suas ideias fixas: a maior delas consistia em recriar uma nova Birobidjan (Birobidjan: uma quimérica colônia coletiva de judeus na fronteira da Rússia com a China).
Jovem, voluntarioso e delirante, causou amarguras ao pai, Schil Guinzburg, um homem temente a Deus, que foi afrontado pelas constantes maluquices do filho (e que rendem os momentos mais espirituosos do livro: é imperdível a cena em que a mãe serve carne de porco numa refeição, para horror do pobre pai, e a consulta meteórica feita a Freud, o do charuto, em pleno aeroporto - sem a presença do paciente).
Junto à jovem Léia, com quem se casaria, e a José Goldman, os três amigos arquitetam Nova Birobidjan, num esquema mais ou menos socialista ou comunista (pelo menos a inspiração é Marx), numa propriedade lá para os lados do Beco do Salso. Em meio a construções alucinadas e tiradas maníacas, Mayer ergue sua vida, literalmente: começa a construir edifícios, torna-se amante da secretária, separa-se de Léia, vai à falência e acaba numa miserável pensão, que fica, para encerrar o ciclo, no terreno beco-salsense de Nova Birobidjan.
Com um texto elegante e preciso, sempre se valendo de um tom irônico, mas que jamais chega a ser maldoso, instaurando um humor dolorido e melancólico, marca de sua gente, Scliar construiu uma obra que, se por um lado é uma sátira ao idealismo sem freios, por outra é um elogio à humanidade contida na loucura que está por todos os lados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário