quarta-feira, 2 de agosto de 2023


02 DE AGOSTO DE 2023
CARPINEJAR

O retorno de Luan

A sina futebolística é grandes clubes trazerem um ex-jogador para salvar a temporada, com uma missão redentora de recuperar as glórias do passado.

Vimos recentemente a repatriação de Renato Augusto no Corinthians, meio-campista campeão brasileiro de 2015 e da Recopa Sul-Americana em 2013, que comprovou a reescrita da história sendo autor dos dois gols em cima do São Paulo na primeira partida da semifinal da Copa do Brasil.

O que testemunhamos com o retorno de Luan ao Grêmio é o contrário: um time buscando salvar seu craque do ostracismo e do esquecimento. Não é uma atitude qualquer, temos uma novidade no cenário nacional, um gesto de extrema grandeza, de apego humano. Aquele que alçou Luan ao estrelato assume o compromisso de recuperar os trilhos da sua trajetória, atendendo a um pedido pessoal do próprio técnico, Renato Gaúcho. Só por isso já devemos saudar a mobilização.

Num esporte competitivo, feito de resultados imediatos e implacáveis, baseado nos descartes sumários, a reconciliação prova que existe generosidade. A torcida tricolor entendeu o recado e emocionou lotando as dependências do aeroporto Salgado Filho para receber de volta seu atleta.

Luan, que apresenta Jesus no sobrenome, após a crucificação na mídia, sai da tumba e dá um largo passo para ressuscitar. Porque a esperança já é metade da confiança. Ele desfruta de uma nova e rara chance de repor o seu talento, de trocar a boemia pelo treino, de recuperar o posto de artilheiro flutuante e imprevisível, que já o consagrou como Rei da América em 2017.

Está naquele dilema de mostrar que as passagens polêmicas e controvertidas pela Neo Química Arena e Vila Belmiro foram exceções, não a regra de sua carreira. Ultimamente, Luan havia deixado as manchetes esportivas e passou a ser lembrado pelas fofocas extracampo, como, por exemplo, quando acabou barrado em restaurante de luxo paulista por tentar furar fila.

O desenraizamento pode ter provocado a queda de rendimento: a saudade do lar e da família, os hábitos diferentes, a distância dos amigos. Mas acredito que o declínio de Luan veio antes da transferência, ainda no seu último ano no Grêmio, em 2019, no momento em que amargou o improvável banco de reservas.

Seu refreamento é decorrente mais da estrutura psicológica do que do condicionamento físico. Nenhum expoente desaprende a jogar de repente, é que ocorreu um bloqueio. Por algum motivo, ele ficou muito longe das atuações que o levaram para as seleções olímpica e brasileira.

Algo quebrou dentro dele, e jamais há como subestimar o luto reprimido e escondido de quem perdeu o pai aos cinco anos num acidente de carro. Dores de infância ressurgem décadas depois, quando a pessoa já é adulta.

A má fase não se iniciou com a venda, mas tornou-se o motivo dela. O sucesso cansa e facilita o isolamento. Parecia que ele estava se aposentando aos 30 anos. Talvez Luan esteja regredindo algumas casas para reatar as pontas perdidas de sua existência.

Não estamos falando apenas de futebol, porém de reabilitação emocional. Se ele contar com um esquema que favoreça a sua armação inteligente, sem ter que cumprir o trabalho de marcação cerrada, como é o caso do Ganso no Fluminense, não duvido de que consiga se regenerar.

Ele tem créditos - a Copa do Brasil de 2016, a Copa Libertadores de 2017, a Recopa Sul-Americana de 2018 e o Bicampeonato Gaúcho entre 2018 e 2019 -, ele tem fama de gols na Arena - 77 em 293 partidas -, tem agora uma parceria com o mágico Luis Suárez, tem um treinador que o apoia e uma torcida apaixonada e incondicional ao seu lado. Não conheço melhor terapia.

CARPINEJAR

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