06
de março de 2014 | N° 17724
L.F.
VERISSIMO
Estranhas conexões
Aquela
teoria de que no máximo seis graus separam qualquer pessoa de qualquer outra
pessoa no mundo, viva ou morta, pode levar a conexões surpreendentes. Quem se
lembra de uma música cantada pelo Sacha Distel num filme da Brigitte Bardot, se
não me falham os neurônios, chamada Scoubidou (“Les pommes, les poires et les
scoubidoubidou-ah”), não sonha que a origem da música é uma composição do
americano Lewis Allan, Apples, Peaches and Cherries, maçãs, pêssegos e cerejas,
popularizada
pela cantora Peggy Lee, nem que “Lewis Allan” era o pseudônimo de Abel
Meeropol, poeta comunista, autor de, entre outras coisas, um poema que ele
mesmo transformou em música chamado Strange Fruit, que a Billie Holiday cantava
chorando. As “estranhas frutas” pendendo de árvores no sul dos Estados Unidos,
no poema de Meeropol, são os corpos de negros linchados.
Billie
Holiday insistia em cantar Strange Fruit apesar de protestos. Não era uma música
adequada para o público branco que a ouvia, em lugares muitas vezes racialmente
segregados, e sua insistência quase lhe custou a carreira.
Era
incomum, na época, artistas negros se manifestarem abertamente contra o
racismo, ainda mais na forma pungente da composição de Meeropol. Alguém chegou
a dizer que se a revolta contra o racismo no Sul americano um dia chegasse a
crescer e se organizar, o movimento já tinha a sua Marseillaise. Mas, enquanto
isto não acontecia, quem manteve a música viva, de maneira quase clandestina,
foi Billie Holiday.
Que
morreu sem ver a revista Time citar Strange Fruit como uma das músicas mais
importantes do século 20. Abel Meeropol foi um compositor de sucesso popular
como Lewis Allan, mas nunca deixou de ser um ativista político, chamado muitas
vezes a explicar suas atividades – inclusive a autoria de Strange Fruit – diante
da inquisição anticomunista. Foi ele quem adotou os filhos de Julius e Ethel
Rosenberg, executados na cadeira elétrica como espiões soviéticos em 1953.
De
Strange Fruit a Scoubidou, do casal Rosenberg ao casal Brigitte Bardot-Sacha
Distel... Não sei quantos graus separam esses dois extremos, de gravidade e
frivolidade. Certamente menos do que os seis da teoria. Como é mesmo aquela
frase? O mundo dá muitas voltas. Às vezes, tonteia.
O
mundo dá muitas voltas. Às vezes, tonteia.
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