sábado, 1 de março de 2014


02 de março de 2014 | N° 17720
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

Queria escrever sobre O TOMATE

O tomate. Hoje queria escrever sobre o tomate. Veio das Américas, como a adorada batata. Você sabe a história da batata, já contei e recontei como a batata atravessou impávida o oceano e atingiu a glória na Europa graças ao amor da índia Potato (batata!) por um gaiato marujo do navio de Francis Drake, o pirata conquistador que conquistou terras, metais preciosos e o coração de Elizabeth I, a Rainha Virgem, que só era virgem porque não se casou e porque, dizem certos historiadores, sofria de hímen complacente, terrível mal. Alguns médicos se ofereceram para romper a bisturi o hímen real, mas, num tempo sem anestesia, a soberana, inteligente e cautelosa, preferiu ficar com a fama de virgem eterna, o que rendeu inclusive a denominação de um estado norte-americano, a Virgínia.

Mas queria escrever sobre o tomate e me prendo a himens e batatas, o que, aliás, é natural devido à admiração planetária quase unânime por elas, e aí me refiro às batatas, não aos himens, que himens já renderam polêmica, mas hoje não mais, pelo menos não no Ocidente civilizado, enquanto a batata, ah, essa sim é apreciada por todos em suas várias formas de preparo, sobretudo as fritas, quem não gosta de batata frita e Beatles?

Verdade, a Mariana Kalil não gosta de Beatles, mas não ingressarei neste terreno pantanoso das preferências musicais, continuarei, firme e reto como o caminho da virtude, a falar do tomate, mesmo que a batata tenha desviado minha atenção com seus ardis. Por sinal, há uma crença bastante sólida de que tudo o que se faz com batata pode ser feito com aipim. Você sabe: aipim, mandioca e macaxeira, os três são, na prática, a mesma coisa, como pandorga, pipa e papagaio.

Aipim e pandorga, no entanto, seriam “mais gaúchos”. Seriam? Acho que não. Pandorga vem do espanhol e significa “mulher barriguda”, imagino que barriguda de grávida, não de chope. Tem lógica: a pandorga (pipa, papagaio) lá no céu, infla como uma mulher barriguda. Já o aipim vem do tupi, e quer dizer “que brota do fundo”. Também tem lógica, uma vez que o aipim, como a batata, é um tubérculo. Será que é por isso, porque ambos são arrancados à carne da terra, que o que se pode fazer com uma pode-se fazer com outro? Talvez, mas, honestamente, tenho de admitir a vantagem da batata nos quesitos suavidade e sabor. Donde a unanimidade: todos amam batata frita, inclusive a Mariana Kalil, e nem todos são adeptos do aipim frito.

Suponho que a defesa encanzinada do aipim seja uma manifestação de ufanismo, já que o aipim, parece, é autóctone, nasceu no Brasil, mais precisamente na Amazônia, e daí migrou América acima. Certo. Trata-se de um nacionalismo. Mas vá pedir aipim em um bistrô francês. Ninguém saberá do que se trata. Já a batata... Não, não, é preciso reconhecer: a batata nos venceu. Aos vencedores, as batatas.

Mas queria falar do tomate, o Pomo d’Oro, como bem definiram os italianos. Pomo. Uma fruta, decerto. Na Coreia do Sul é assim que o comem: como a fruta que representa todas as frutas, a maçã. Quando estive na Coreia na Copa de 2002, o pessoal da Rádio Gaúcha convenceu a dona de um pequeno restaurante de Ulsan a preparar uma salada como no Brasil, com alface, cebola e tomate cortado em finas rodelas. Ela fez, mas achava tão estranho que chamava a vizinhança para ver os brasileiros comendo.

Mas eles estão certos, tomate é uma fruta. Eu, quando guri, chegava esfaimado do jogo de futebol e metia a cabeça na geladeira à procura do tomate perfeito. Não podia ser verde demais, nem maduro demais. Tinha de ser inquestionavelmente vermelho, porém macio e rijo como uma mulher de 22 anos de idade. Ah, a mulher de 22 anos de idade está no auge. Se você tem uma mulher de 22 anos de idade precisa saber que ela, como o tomate, é uma fruta de ouro e tem de ser apreciada com sabedoria. Os italianos souberam fazer isso, e agora não me refiro às mulheres de 22 anos de idade, já que meu assunto é o tomate, e é dele que queria falar.

Sim, os italianos tornaram nobre o tomate, algo que de maneira alguma me surpreende: os italianos moldaram o mundo. Primeiro, durante um milheiro de anos, com a força, graças ao poder físico das suas legiões. Depois com a fé, graças ao poder espiritual do catolicismo. E, ao raiar do Renascimento, com a beleza, graças ao poder sensual das artes. Homens com essa sensibilidade, com essa inventividade, com esse gênio, só homens assim seriam capazes da grande criação:

O Molho de Tomate.


E então cheguei aonde queria chegar desde o começo: ao molho de tomate. Porque um molho de tomate preparado com critério, tendo por base um refogado de cebola e alho, sendo nessa alquimia acrescido o sabor de pequenos cubos de carne vermelha adrede picados, bem temperado com uma pitada de pimenta do reino e um quase nada de sal, esse molho, quando deitado sobre um prato fumegante de macarrão, depois de polvilhado por queijo parmesão uruguaio ralado na hora, esse molho, se você é o autor desse molho, como fui, modestamente, outro dia, ah, esse molho seduz mulheres de 22 anos de idade, encanta homens, enfeitiça crianças, faz o sucesso de uma noite com amigos do peito, pode consagrá-lo socialmente. Eu sei, porque o cometi, o molho de tomate inefável. Por isso, tinha falar do tomate. E o fiz. Loas ao tomate. Ele pode nos fazer grandes.

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