quarta-feira, 2 de novembro de 2011



02 de novembro de 2011 | N° 16874
ARTIGOS - Regina Orgler Sordi*


Reflexão sobre perdas na infância

Pouco tem-se escrito, em literatura infantil, sobre as perdas de entes queridos, menos ainda sobre a perda dos bichinhos de estimação, como é o caso do cachorro Elvis, personagem da comovente história Por que o Elvis não Latiu?, escrita por Robertson Frizero.

No livro, que será tema de debate na Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) no próximo dia 17 de novembro, há uma curiosa interação entre as palavras de aflição dos pais, tentando explicar ao filho a partida do cãozinho Elvis e a presença de cores alegres, imprimindo um tom de vida e esperança aos personagens e aos destinos da história. Uma vez mais, a literatura de ficção potencia a literatura psicanalítica, possibilitando a abordagem de um tema tão importante como o que diz respeito aos lutos na infância.

Antes mesmo de sofrer as primeiras perdas por morte, e sob a denominação geral de angústia de separação, a literatura psicanalítica descreve uma gama de reações afetivas não somente frente ao afastamento físico da mãe com relação ao seu bebê, como também aos ritos de passagem que se prolongam por toda a vida. Nestes, podemos incluir o desmame, a entrada da criança na creche, as fases do desenvolvimento, como as passagens da infância à adolescência e à fase adulta.

Como corolário desse delicado jogo presença-ausência, lutos e novas aquisições, a literatura infantil produziu os contos de fadas, nos quais a morte é tratada como um fenômeno reversível, cuja magia do desaparecimento simbólico é desfeita pelo beijo de um príncipe que restitui vida ao objeto amado.

Diferentemente da morte simbólica dos contos de fadas, o livro trata da experiência da morte real. Uma ligação de amor e companheirismo entre um menino e seu cachorro e que, em algum momento, por velhice e doença, conduz à morte do bichinho.

O tema é óbvio e, por isso mesmo, torna-se tão difícil de tratar: que as crianças amam, se apegam e que sofrem quando perdem seus entes queridos. Ainda hoje, confunde-se capacidade de compreender com capacidade de sentir.

A criança possui ambas as capacidades e é capaz de vivenciar um processo de luto muito semelhante ao processo do adulto, atravessando fases de hostilidade e inconformidade, pedidos de socorro, desespero, desorganização e reorganização. Pode ser necessário aceder à capacidade de compreensão cognitiva da criança, para falar de um tema complexo como a morte, buscar a melhor forma de comunicar, de acordo com seu nível de desenvolvimento.

O que não pode ser negado é que ela já tem inscrito em seu psiquismo a vivência e as angústias de separação e estas são as bases para a compreensão das dolorosas experiências de perdas ao longo da vida. O diálogo entre os pais e o menino, no livro de Robertson, é um exemplo comovente de como as palavras e os afetos vão construindo um bloco de significados em que as aflições dos pais transmudam-se pelas perguntas e comentários do menino e a morte objetiva de Elvis vai dando lugar às lembranças vivas de uma relação única entre o menino e seu cachorro.

*Psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

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