sábado, 23 de abril de 2011



23 de abril de 2011 | N° 16679
NILSON SOUZA


O enigma

Meu extravagante colega de ofício Paulo Sant’Ana apareceu outro dia aqui na Sala do Senado – que é como alguns companheiros do jornal apelidaram a nossa Editoria de Opinião – portando uma imponente bengala com cabo de metal. Diz ele que se trata de uma “prótese externa”, necessária para compensar-lhe uma disfunção no joelho.

A explicação costuma ser recebida com sorrisos irônicos, pois todos temos a impressão de que ele se vale do bastão para ostentar uma pose de distinção, como faziam os cavalheiros europeus do século 18. Em Londres, naquela época, havia até mesmo uma legislação disciplinando o uso da bengala – e o sujeito que violasse as regras perdia o privilégio de desfilar com o respectivo instrumento de apoio.

Sant’Ana mais parece um Chaplin contemporâneo quando sai da sala caminhando devagar, rumo ao fumódromo, com o celular numa das mãos e o seu novo brinquedinho na outra. Ele a utiliza como um acessório fashion – se é que o deputado Carrion me permite o anglicismo. Mas ainda não adquiriu o traquejo e a elegância do doutor Brossard, que já incorporou a bengala e o chapéu panamá à sua imagem pública.

O cajado também era indissociável de um outro antigo frequentador da nossa sala, o saudoso Décio Freitas, que nos visitava todas as quintas-feiras depois de participar de uma confraria de intelectuais no restaurante Copacabana.

Portador de uma anomalia que o levava a claudicar, o escritor necessitava da bengala para se locomover e o fazia de forma um tanto ruidosa, porque efetivamente depositava o peso do corpo no bastão. Antes de vê-lo chegar, ouvíamos o toc-toc que invariavelmente prenunciava uma sessão de histórias divertidas e inteligentes.

Tem gente que usa a bengala como arma, como aquele aposentado que castigou um político envolvido em corrupção. Não é comum, nem recomendável. O mais sensato é usá-la pacificamente, como fazia Mahatma Gandhi na sua caminhada incessante contra a violência: “Estou convencido das minhas próprias limitações – e esta convicção é minha força” – dizia ele. Espero que sirva de inspiração para o nosso Sant’Ana.

A bengala tradicional – me ocorre agora – é também um ponto de interrogação, que simboliza a sabedoria de seus portadores. Pela manhã, temos quatro patas e não somos capazes de entender o mundo. Ao meio-dia, temos duas e achamos que o mundo é que não nos entende. Ao entardecer, somos sábios, ainda que tenhamos dificuldade para nos equilibrar sobre o mundo.

Talvez esteja aí o enigma da vida.

Gostoso sábado de aleluia para voce. FELIZ PÁSCOA

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