Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 9 de abril de 2011
10 de abril de 2011 | N° 16666
DAVID COIMBRA
O Chevettão preto do Falcão
Falcão dirigia um Chevettão preto, placa 5555, o número da camisa dele. Conhecíamos bem aquela caranga, o Falcão seguido ia ao IAPI. Ele, o Carpeggiani, o Neca e outros tantos jogadores da época. Atravessavam a cidade para cortar cabelo no Roque, um cabeleireiro famoso que atendia lá. Parece que o Roque era especialista em cabelo encaracolado, algo assim.
Todos eles usavam uns cabelões enovelados de Pequeno Príncipe, de anjinho de propaganda. Os mais ovelhudos eram o Falcão e o Batista. Ficavam ajeitando a cabelama no vestiário, demoravam uma hora em frente ao espelho e se atrasavam na entrada em campo. Hoje, talvez por ironia da Providência, ambos são calvos. O Falcão, um careca cabeludo, coisa rara.
Uma tarde o Falcão chegou com aquele Chevette e fomos todos atrás.
– Ei, Falcão! Dá uma carona pra nós, Falcão!
Não queríamos carona coisa nenhuma, pedimos só por farra, mas o Falcão, para espanto nosso, sorriu e fez um gesto com a mão:
– Venham! Uau! Imagina andar no Chevettão do Falcão! Éramos uns 10. Nos esprememos sete atrás, três na frente. O Falcão arrancou, deu a volta no canteiro e rodou uns 500 metros, a turma gritando e festejando. Então parou, descemos e voltamos correndo e rindo até o Bar do Seu Zequinha. Pedimos uma Guaraná Frisante para comemorar.
O Falcão já gozava de boa fama, era ídolo do Inter, mas sempre dava atenção à gurizada. Para nós, o aparecimento dele virava um acontecimento. Naquele tempo os jogadores e os jogos eram mais distantes, não apareciam na TV o tempo todo.
Só um dia nem ligamos para a presença do Falcão no IAPI. Foi quando um guri meteu a cabeça por entre as grades da janela de um apartamento bem ali, no prédio do Roque, e a cabeça dele ficou entalada.
Ele forcejava, tentava afastar as grades, gania e gemia, e nada de conseguir tirar a cabeça do vão entre as grades. Ficamos olhando aquilo. Primeiro, estávamos em uns quatro, mas fomos chamando os amigos. Logo, uma turma de uns 10 ou 12 rodeava a cabeça do guri.
Aí começamos a ter ideias. Uns queriam usar a cabeça dele como alvo para um torneio de funda, outros queriam pintar a cara dele com têmpera. Coisas assim. Seria bullying? O guri chorava e gritava:
– Socorro! Socorro! Só parou quando o Zoreia ameaçou colocar uma minhoca dentro da boca dele. Bullying. Pois nesse dia o Falcão passou por nós e nós nem lhe demos oi, Falcão. Ficamos ali, dedicados à cabeça do guri entalado.
Fui reencontrar o Falcão quando já trabalhava como jornalista, entrevistando-o. Ele sempre muito atencioso, muito educado. E, finalmente, tornei-me próximo dele aqui, na Editoria de Esportes de ZH. Falcão vem em média uma vez por semana à Redação.
Então, escora-se no balcão do bar, estende o braço e na ponta do braço oferece uma manopla do tamanho de um prato de jantar, os dedos bem abertos que se fecharão num cumprimento firme. Nessas, volta e meia trocamos histórias, troca da qual sempre saio ganhando.
Pergunto-lhe sobre seu tempo de jogador, ele fala sem rodeios. Uma passagem que gosta de repetir deu-se no tempo em que jogava na Roma e era comandado por um dos técnicos que mais admira, o sueco Nils Liedholm. Falcão lembra que, antes de cada partida, no recôndito do vestiário, Nils protagonizava o mesmo ritual. Chamava os jogadores, que se acercavam dele, pressurosos. Então, os cabelos já brancos de tanta vida vivida, fincava o pé em cima da bola e fazia-lhes uma única recomendação:
– Ragazzi! Divirtam-se, ragazzi!
Por isso sei que, se Falcão aceitar a proposta do Inter, será um técnico que tentará urdir um time alegre. Porque um homem que aprecia a felicidade de crianças tanto quanto os conselhos dos velhos só pode ser um homem que faz as coisas com alegria.
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