sábado, 30 de abril de 2011



30 de abril de 2011 | N° 16686
NILSON SOUZA


Conto sem fada

Deu no jornal: uma senhora de 92 anos, que se alfabetizou aos 85, cursa o segundo ano do Ensino Médio numa escola pública do interior do Estado e, todos os meses, separa R$ 10 de sua aposentadoria para fazer a festa de formatura no ano que vem.

Chama-se Maria, assim como tantas, mas ganhou em algum momento de sua sofrida vida o apelido de Dona Benta – pra lá de emblemático, se lembrarmos da personagem célebre de Monteiro Lobato, uma avó sábia e bondosa, que contava histórias para as crianças e também aprendia com elas. Pois dona Maria, como a mãe de Lula, a minha e todas as demais, nasceu analfabeta. Só que, ao contrário da maioria, foi obrigada a permanecer iletrada, pois o pai a proibiu de ir à escola com os irmãos, sob o argumento de que meninas não deviam aprender a escrever para não cair na tentação de mandar cartas de amor para os namorados.

Ainda assim, dona Maria, que provavelmente ainda não era Benta, casou, teve filhos e continuou a trabalhar na roça e nas lides domésticas, sempre longe dos livros e dos cadernos. Só quando os filhos cresceram e o marido morreu é que ela pôde voltar à escola. Concluiu o Ensino Fundamental pelo programa de Educação de Jovens e Adultos e agora cursa o 2º ano do Ensino Médio. Vai longe esta menina.

A história desta Maria tardia tem lá o seu encanto, embora fique reservada a um canto de página neste momento em que todos os olhares acompanham o casamento real (ou irreal?) dos príncipes ingleses. São fatos incomparáveis, sei disso. Também acho que monarquia é coisa do passado, mas, se os ingleses gostam e aceitam sustentá-la, tudo bem.

Além disso, o conto de fada, como ensinou o psicanalista Bruno Bettelheim, tem lá a sua utilidade. Mexe com sentimentos, ensina crianças e adultos a lidar com seus medos e conflitos. Sempre gostei deste tipo de literatura. Fui – e sou – um leitor compulsivo dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen. Portanto, acho que podemos prestar atenção e nos emocionar sem pruridos nem remorsos com o esplendor da união entre William e Kate.

Mas acredito que esse conto sem fada de dona Benta também tem muito a nos dizer. Não sei se os príncipes recém-casados serão felizes para sempre. Tomara que o sejam. Tenho certeza, porém, de que a nossa jovem leitora será muito feliz com a habilidade recém adquirida, que lhe permite ler sobre o casamento real e escrever sobre seus próprios sonhos e fantasias.

Pensando bem, talvez haja uma fada nesta história – uma fada de verdade, poderosa e acessível a quem a busca com fé. Chama-se Persistência.

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