sábado, 9 de abril de 2011



10 de abril de 2011 | N° 16666
VERISSIMO


A tática da bolsa

A ideia da Jussara era que, no primeiro contato, José Henrique já descobrisse tudo sobre ela

A Jussara estava a fim de um cara e bolou um plano para conhecê-lo. Ou para ele a conhecer. Um plano minucioso, que descreveu para as amigas como se fosse uma operação militar. Em vez de conquistar um reduto inimigo, Jussara conquistaria o cara, que se renderia ao seu ataque. Ela acreditava que, no amor como na guerra, planejamento era tudo.


Jussara sabia que José Henrique – o nome do cara era José Henrique – tinha dinheiro e não tinha namorada firme, duas precondições para seu plano valer a pena. Era bonito, era um intelectual (andava sempre com um livro embaixo do braço) e tinha hábitos regulares. Todos os dias saía do trabalho e sentava-se numa mesa de bar, sempre a mesma mesa, para comer uma empada e tomar uma cerveja (só uma, e ele não fumava nem tinha qualquer outro vício aparente) antes de ir pegar seu carro num estacionamento próximo. Geralmente bebia sozinho e ia direto para casa, onde morava com a mãe viúva.


O ataque, de acordo com a melhor tática militar, deveria ser de surpresa. Mas surpreendente apenas o bastante para ser inesquecível sem assustar o cara. A ideia da Jussara era que, no primeiro contato, ele já descobrisse tudo sobre ela. O que ele faria com esta informação dependeria do que viesse depois. Ou, como disse a Jussara, “dos desdobramentos”. Mas no primeiro instante ele teria que saber tudo a seu respeito. Como conseguir isto?


Com a bolsa. As amigas se entreolharam. Com a bolsa? Com a bolsa. Jussara entraria no bar remexendo na sua bolsa, fingindo procurar alguma coisa com tanta concentração que esqueceria de olhar para frente e esbarraria no José Henrique, derramando todo o conteúdo da bolsa na mesa à sua frente, ou no chão ao seu lado.

– E o conteúdo da bolsa dirá tudo que ele precisa saber a meu respeito, entendem? Serei eu dentro da bolsa. Tudo que eu sou, tudo que eu gosto. Ele vai me ajudar a colocar as coisas de volta dentro da bolsa e em poucos minutos conhecerá minha alma e minha biografia.


Jussara já sabia o que colocaria dentro da bolsa. Um bonequinho de pelúcia que certamente enterneceria o cara, mostrando seu coração bom e algo infantil. Envelopes com sementes, mostrando sua preocupação com o meio ambiente. E um livro, para ele saber que ela também lia. Mas precisava decidir: que livro? Estava aceitando sugestões. Poesia? Martha Medeiros? Karl Marx? Pornopopeia? O Pequeno Príncipe? Qual faria maior efeito? Escolheram um Saramago, desde que não fosse muito pesado.


E o encontro se deu. Todo o conteúdo da bolsa da Jussara caiu na frente do cara, que ajudou a botá-lo de volta, como previsto. Mas ele nem notou o livro e as outras coisas. Pegou um estojo de maquiagem da Jussara e disse: “Eu uso o mesmo blush!”.


A Jussara culpa seu fracasso numa falha que costuma frustrar as operações militares: reconhecimento insuficiente do terreno.

– Faltou pesquisa – lamenta.

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