quinta-feira, 14 de abril de 2011



14 de abril de 2011 | N° 16670
LETICIA WIERZCHOWSKI


A marca

Depois de ter sido arrombada e pichada, a casa do assassino Wellington Oliveira foi pintada de branco pelos vizinhos da rua. As janelas e o portão, arrombados durante a noite, foram cobertos com cartolina branca. Os vizinhos também colaram na parede um cartaz pedindo paz. “Nosso bairro é pacífico”, escreveram eles.

Na casa, vivia também a família da irmã adotiva de Wellington, mas desde a quinta-feira, dia do massacre, todos desapareceram sem deixar notícias - e sem reconhecer o corpo do atirador, que provavelmente será enterrado como indigente pelas autoridades cariocas.

Estou aqui pensando na terrível herança que esse maluco deixou. Para a família que o acolheu e criou. Para a rua onde vivia. Para o bairro onde morava. Evidentemente, não há o que falar sobre as famílias enlutadas, cujos filhos lhes foram arrancados de maneira absolutamente brutal.

Porém, atrás da maior e mais aguda tragédia, existe outra, uma tragédia cotidiana, que se estampará nos rostos dos transeuntes, nas gentes que frequentam o bairro do Realengo, que lá vivem e lá realizam os seus dias.

Na fruteira, no açougue, no ponto de ônibus, em cada casa e em cada esquina, todos precisarão de muito tempo para digerir a pecha que se abateu sobre eles. “A dor é de todos”, escreveram os vizinhos no cartaz colado em frente à casa de Wellington. A dor é de todos, é verdade. Mas a dor maior é deles. Daquela gente que abrigou, que interagiu, que foi vítima e testemunha ocular da curta e estranha vida do jovem Wellington Oliveira.

Com o tempo, as lágrimas hão de cessar, as câmeras seguirão atrás de outras notícias, boas ou ruins, a escola reabrirá suas portas, as crianças que se recuperam no hospital retornarão para suas casas e suas famílias.

Outras crianças passarão pelos corredores daquela escola, e os dias do bairro serão mais ou menos como foram antes. Mais ou menos. Certos atos são como o ferro quente. A ferida cicatriza, já que a matéria viva se regenera.

Mas a marca fica. A marca que os vizinhos, coitados, tentaram apagar com tinta branca das paredes da casa humilde onde Wellington de Oliveira cresceu. A marca que a irmã de Wellington, cujo rosto desconheço (e de quem sinto enorme pena) há de carregar pelo resto dos seus dias. A marca tão terrível, tão pesada, tão ignóbil, que não lhe deixou alternativa, senão fugir do Realengo.

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