sábado, 9 de abril de 2011



09 de abril de 2011 | N° 16665
NILSON SOUZA


A caixa preta

Adoro fotografia antiga de gente antiga. Gosto de imaginar não apenas como era a vida daquelas pessoas congeladas pela imagem em determinado momento de suas existências, mas também a intenção do fotógrafo ao aprisionar a cena. Mais do que isso: diante de uma foto pretérita, fico pensando no operador da câmera, que nunca aparecia na própria obra e muitas vezes passava anônimo para a posteridade estrelada por seus personagens.

Tenho em casa uma pequena caixa preta que me faz sonhar com um tempo em que eu não existia, mas meu destino estava sendo traçado. É uma máquina alemã marca Agfa Box 44, que pertenceu a meu pai.

Ele a adquiriu quando era pouco mais do que adolescente, no final dos anos 1930. Naquela época, máquinas fotográficas eram raridade. Para satisfazer um capricho da juventude, meu pai empenhou na compra vários de seus salários de cobrador de ônibus. Graças àquela curiosa caixa, tenho hoje fotos de parentes que sequer conheci e dos lugares que eles frequentavam.

Também alguns fragmentos de minha infância foram captados pelo equipamento, que é de uma simplicidade artesanal, mas tem um intrigante detalhe: o visor mostra a imagem invertida. Se a gente move a máquina levemente para um lado, a imagem se desloca para o outro. Só isso, quando eu era menino, já me parecia magia suficiente. Mais espantoso ainda era, meses depois, pois as revelações demoravam séculos, ver aqueles rolos de filme 6x9 transformados em fotografias.

Pois bem, esta semana, lendo sobre o Festival Internacional de Fotografia que se realiza em Porto Alegre, resolvi pesquisar um pouco sobre a raridade que herdei de meu pai e descobri uma curiosa história. A maquininha foi fabricada na Alemanha em 1932 e fez parte de uma estratégia de vendas da Agfa verdadeiramente assombrosa para a época.

Os fabricantes fizeram uma campanha publicitária pela qual o público podia adquirir a máquina em troca de quatro moedas de um marco, desde que as moedas tivessem as letras A, G, F e A, que formavam o nome da empresa. Resultado: venderam 1 milhão de máquinas abaixo do preço de custo. Mas ganharam uma fortuna com a venda de filmes.

A câmera ajudou a popularizar a fotografia na Europa. Tanto que a empresa produziu um lote de máquinas na cor azul, para que as escolas públicas do país dessem de presente aos seus melhores alunos. E certamente vendeu mais filmes.

Sempre gostei daquela caixinha preta, que documentou momentos importantes de minha história familiar. Agora amo-a ainda mais por saber que levou a tanta gente a magia da fotografia.

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