quinta-feira, 7 de abril de 2011



07 de abril de 2011 | N° 16663
ARTIGOS - Franklin Cunha*


Sexo e gênero e a boçalidade eleita

“Antes da transformação de um homem ou de uma mulher biológicos em gêneros masculino ou feminino, cada criança contém todas as possibilidades sexuais acessíveis à expressão humana.” (Gayle Rubin, antropóloga norte-americana)

A ideia frequentemente aceita de que os componentes de alguns estratos sociais, subordinados a poderes mais fortes, aceitam e se apegam à própria subordinação tem sido invocada pelos que tentam desacreditar as reivindicações dos subordinados.

O raciocínio é o seguinte: se é possível demonstrar que o sujeito sustenta e insiste em seu estatuto de subordinado, então a responsabilidade última de sua subordinação é dele mesmo. Ideia mais primária, porém ainda vigente, é a de que certas condições de caráter pessoal estariam embutidas nos genes. Mesmo porque hoje sabemos que os genes codificam proteínas e não comportamentos sexuais ou outros. Contra tais argumentações, pode-se dizer que a conformidade à submissão é produto da capacidade persuasiva do poder, uma das produções mais insidiosas e perversas de nossa cultura.

Estes fenômenos de subordinação se observam em várias condições sociais e situações pessoais, como nos negros, pobres, marginais da economia e da lei, prostitutas e homossexuais. E se várias dessas condições se juntam, como por exemplo, ser negro, homossexual e pobre, a situação se complica e a subordinação social é completa.

Uma dessas condições mais reprovadas é a homossexualidade, pois não é opção e prática compatíveis com atuações “normais e institucionalizadas”. Tão reprovadas, que ainda hoje se põe em dúvida a capacidade dos homossexuais de exercerem a maternagem e a paternagem. E as dúvidas se originam na confusão vigente entre sexo e gênero.

A distinção entre eles confirma a tese de que por mais que o sexo – fêmea ou macho – pareça biologicamente imutável, o gênero é culturalmente construído. Então, se o gênero é construído pelos significados culturais impostos falocraticamente ao corpo sexuado, não se pode afirmar que a construção de um “homem” seja exclusividade somente de um corpo masculino ou que a construção de uma “mulher” decorra somente da anatomia genital feminina.

A antiga ideia de que há uma relação mimética perfeita entre sexo e gênero empiricamente não se confirma. O que se pode afirmar, portanto, é que a condição de gênero independe do sexo e, assim pensando, o gênero se torna um artifício flutuante, donde se conclui que, diante dos recursos da ciência médica atual, homem e masculino podem significar tanto um corpo e uma mente masculinos quanto femininos, e mulher e feminino, tanto um corpo e mente femininos quanto masculinos.

Então, não há reais motivos para que homos- sexuais que desejam amorosamente assumir a maternagem e a paternagem se subordinem a códigos sociais vigentes, vetustos e primitivos. E até mesmo boçais, a representar vozes de uma pequena parcela de eleitores.

*Médico

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