terça-feira, 2 de fevereiro de 2010



02 de fevereiro de 2010 | N° 16234
MOACYR SCLIAR


Política & afrodisíacos

Uma noite, em Havana, eu estava assistindo à tevê estatal, quando de repente a programação normal foi interrompida (o que não era raro) para uma intervenção de Fidel Castro. Como de hábito, ele falou horas, sob vários assuntos, mas à certa altura começou a dar conselhos sobre como criar gado.

Eu o ouvia, intrigado – será que ele entendia mesmo daquele assunto? – quando de repente me dei conta: não era a informação em si o importante, era o papel que ele estava desempenhando, o papel de uma figura paternal, amistosa.

O que faz parte, aliás de um paradigma, nesse tipo de liderança: lembrem o recente exemplo de Hugo Chávez, tecendo considerações sobre a duração do banho no chuveiro.

Agora é a vez da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, dar recomendações. Algo surpreendente porque, em primeiro lugar, ela não faz exatamente o tipo Chávez ou Fidel (Eva Perón talvez estivesse mais próxima disso). Depois, o tema que abordou.

Era a cerimônia de assinatura de um convênio governamental com representantes da indústria de produtos suínos, e na sua fala a mandatária resolveu elogiar a carne suína.

O que era de se esperar. Insólito foi o ângulo que escolheu para fazer o elogio. “Comer carne de porco melhora a atividade sexual”, disse , acrescentando: “Além do mais, acho que é muito mais gostoso comer leitãozinho assado do que tomar Viagra”.

E aí um depoimento pessoal: no fim de semana o casal presidencial havia jantado leitão assado. O resultado “foi impressionante”. A plateia, predominantemente masculina, ficou surpresa e um tanto constrangida, mas, por motivos óbvios, aplaudiu.

O titular da Associação de Produtores Suínos, Juan Uccelli, assegurou que os dinamarqueses e japoneses, grandes consumidores de carne de porco, “têm uma sexualidade muito mais harmoniosa que os argentinos”.

O acontecimento, pitoresco para dizer o mínimo, merece vários comentários. Em primeiro lugar, do lado, digamos assim, técnico. A presidente se referiu à carne suína como possível afrodisíaco.

Este termo, que vem de Afrodite, a deusa grega do amor (inspiradora do pronunciamento presidencial?), refere-se a uma série de substâncias, naturais e artificiais, cujo uso data de séculos: ostras, cantárides (um inseto), chifre de rinoceronte (por razões de imagem, claro), guaraná, amendoim, ovos de codorna.

Mas carne de porco? Não tem muita lógica. É um alimento pesado que, na cama, decerto dá mais sono do que qualquer outra coisa. Além disso, existe aí um elemento politicamente incorreto.

Crentes judeus e muçulmanos não gostarão de saber que estão privados de um estimulante sexual; mais, isso suscita uma dúvida: como é que o rei Salomão conseguia atender as mil mulheres de seu harém, sem carne de porco?

Os suínos, igualmente, se sentirão desconfortáveis: um porco só quer ser afrodisíaco para a porca. Por último, os fabricantes do Viagra ficarão contrariados com a inesperada concorrência.

É bem possível que a presidente Cristina se tenha dado conta da gafe. Ela teria observado, à saída da reunião, que “o Kirchner vai me matar”.

Mas a verdade é que pelo menos sua intervenção foi amena, curiosa. No discurso político latino-americano, frequentemente fértil em declarações bombásticas, quando não ameaçadoras, esta foi uma pausa até certo ponto desejável. E elogiosa para os dinamarqueses e japoneses, o que contribui para a melhora das relações internacionais.

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