domingo, 7 de junho de 2009



07 de junho de 2009
N° 15993 - MOACYR SCLIAR


A ameba e o amor

A ameba não celebra o Dia dos Namorados. Porque a ameba não tem namorado – ou namorada, não sabemos bem o que ela teria. Porque a ameba é um ser unicelular, composto de uma célula só.

A ameba é assexuada. A ameba também não sonha, não fantasia. A ameba não escreve poemas de amor, a ameba não entoa canções românticas, a ameba não vai ao shopping comprar presentes para o dia 12 de junho. O que pode resultar em alguma economia, mas, convenhamos, é um tipo de economia que nós não gostaríamos de fazer.

Isso tudo não quer dizer que a ameba não se reproduza. Ela o faz, e de uma maneira muito simples: a certa altura de sua curta vida ela se divide em duas. E cada metade vai para o seu lado; são existências absolutamente separadas, que têm como finalidade unicamente a preservação pessoal, se é que podemos usar o termo “pessoal” nesta situação.

“Parece-me que os seres humanos absolutamente não se dão conta do poder do amor”, diz Aristófanes em O Banquete de Platão. Para explicar esse poder, ele conta o mito. No começo, diz, homens e mulheres formavam uma única entidade, extremamente poderosa.

Tão poderosa que esses seres andróginos decidem invadir o Olimpo, o reduto dos deuses. O que cria para Zeus, a mais importante das divindades, um dilema: deve ele punir com a morte os ousados? Não, a morte é um castigo excessivo, e definitivo. Zeus opta por uma outra alternativa: divide os andróginos em dois.

Eles continuam vivos, mas agora cada metade anseia pela outra metade, com a esperança de que a união restitua-lhes a antiga força. A ânsia é o castigo, mas, vindo de um deus, é um castigo que envolve um elemento de paixão. É por isso que a atração entre aqueles que se amam é absolutamente inevitável e irresistível.

A narrativa grega corresponde a um mito muito disseminado. Em certas correntes do hinduísmo, os primeiros Shiva e Shakti formavam uma entidade só, assim como Mesha e Neshiane para os antigos persas. E Eva na realidade era parte de Adão; Deus os separou, não como castigo, mas porque “não é bom que o homem esteja só”. E aí há uma lição psicológica e moral da maior importância.

Ainda que fôssemos seres muito poderosos, imortais (como o é a ameba e como promete a seus membros a Academia Brasileira de Letras), nossa existência não seria completa. Precisamos aspirar pelo outro; precisamos nos completar com o outro.

Não podemos vencer a morte, mas podemos buscar ânimo no amor. Amor e morte: os dois grandes temas da literatura, que aparecem juntos, comovedoramente juntos, em Romeu e Julieta.

Aristófanes tem razão: nem sempre nos damos conta do poder do amor. Precisamos pensar nisso. Precisamos deixar de lado o nosso componente ameba e assumir a plenitude de nossa existência. Para nos lembrar dessas coisas (e também para ajudar um pouco o comércio) é que existe uma data especial. Feliz Dia dos Namorados para vocês.

Sérgio Bechelli, muito conhecido do público gaúcho por sua atuação na área da saúde e da mídia, comenta a crônica que aqui escrevi no domingo passado sobre a poligamia do presidente sul-africano, e diz que, embora não oficialmente, poligamia não deixa de ser praticada no Brasil e no RS.

Verdade. É que o sonho do harém continua a perseguir não poucos representantes do sexo masculino.

E agradeço as mensagens de Leandro Alves Pereira, Ciloter Borges Iribarren, Leandro Figueiredo, Klenia Gonzatti (que honrou-me com a notícia de que dou nome a um prêmio literário da FAPA), Waldomiro Minella e João Cony.

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