sexta-feira, 5 de junho de 2009



05 de junho de 2009
N° 15991 - DAVID COIMBRA


Brasil grande

Quantos anos eu tinha? Seis? Sete? Estava aboletado numa das carteiras do Costa e Silva. Era como se chamava o meu colégio: Grupo Escolar Presidente Arthur da Costa e Silva, engastado nos recônditos do Parque Minuano. Parece que hoje o apelidaram de “Costinha”.

Melhor. Costa e Silva foi o homem do AI-5. Um autoritário, embora fosse mandado pela mulher, dona Yolanda, a única primeira-dama da história do Brasil a ser fotografada com o todo o ministério da República – sem o presidente.

Então lá estava eu, numa fileira perto das janelas, ouvindo a professora falar, ela parada de pé diante do quadro negro. Falava do Brasil. Orgulhosa, descrevia como a Nação vinha crescendo nos últimos anos, como tudo dava certo, como o país seria a maior potência do planeta em algum tempo.

Aí virou-se de costas para nós e escreveu um nome no quadro. Escreveu-o em letras maiúsculas bem desenhadas, letra de professora de primário. O nome ocupou quase que toda a extensão horizontal do quadro.

– Esse homem – disse a professora, peito estufado. – É o homem que está construindo o Brasil do futuro.

Bateu com a ponta do giz na primeira letra do nome, tectec. Este nome: Emílio Garrastazu Médici.

Durante anos senti o coração palpitar de ufanismo pelo Brasil que ia para frente e por seu presidente ativo e patriota. Ainda hoje, volta e meia recordo-me daquela tarde de sol na sala de aula do, vá lá, Costinha. Sei que a professora, quando discorria sobre Médici e o Brasil Grande, não o fazia por obrigação; tratava-se de densa certeza. A professora acreditava mesmo que o Brasil estava sendo salvo pelo governo militar. Muita gente acreditava. Médici, creiam, era popular.

Depois de Médici, só um presidente alcançou o mesmo nível de popularidade: Lula. Um presidente que tem 70% de aprovação nas pesquisas. Lula fez por isso. Apartou o Banco Central do governo, manteve a política econômica do Plano Real, atuou com força na área social. Merece a popularidade que tem. Mas o que fará com ela?

Até agora, Lula tem usado sua popularidade exatamente da mesma maneira que Médici usou a dele: promovendo o desenvolvimento material. O PAC é o equivalente do Milagre Brasileiro.

Bem. Médici, ainda que quisesse, não conseguiria mudar a estrutura do país. Não conseguiria transformar o Brasil numa nação de cidadãos. Porque Médici acreditava, realmente, que o desenvolvimento material bastava. Fazer o bolo crescer para depois dividi-lo, era o lema do governo.

Mas, não. Só o crescimento não é o suficiente. Era o que um presidente deveria levar em conta. Um presidente, bem como um governador ou um prefeito, um homem eleito para um cargo executivo deveria valer-se do poder que o voto lhe concedeu.

Porque um executivo tem de ser mais do que um administrador de orçamento. Tem de saber que ele pode, graças ao prestígio do cargo, mobilizar a sociedade. Pode fazer com que as pessoas se unam em torno de um objetivo que ele, executivo, defina como o mais importante. Algo estrutural, algo profundo, que possa mudar o país de verdade.

O desenvolvimento material pode ser perdido. A Alemanha foi destruída na Guerra dos 30 anos e, depois, outras duas vezes nas guerras do século 20. A Alemanha perdeu o que tinha de material. Restou-lhe o espírito.

O povo alemão desde sempre foi um povo culto, um povo que valorizou a Educação. É o que faz um país. Pontes desabam, o asfalto das estradas se corrói, usinas caducam, até a beleza das mulheres um dia murcha.

O espírito, não. O espírito de um país nunca se perde, se ele é cultivado. Um pouco de sua popularidade Lula poderia despender nessa conquista. A conquista do espírito.

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