segunda-feira, 1 de junho de 2009



01 de junho de 2009
N° 15987 - PAULO SANT’ANA | CLÓVIS MALTA


O valor do exemplo

A vida seria muito chata, e talvez nem valesse a pena, se todo mundo resolvesse se transformar em padrão de bom comportamento de um momento para outro. Essa, porém, é uma possibilidade remota, pois seres humanos costumam ser complexos, pela sua própria natureza. Por isso, correm o risco de errar, mesmo quando tentam acertar.

A curiosidade, a necessidade permanente de se autodesafiar, de experimentar emoções, de buscar sentido para a própria existência em sensações sufocadas pela pobreza do cotidiano – tudo isso faz com que, muitas vezes, as pessoas ajam no limite ou mesmo o ultrapassem.

É uma opção, frequentemente uma imposição da experiência particular de cada um, que não chega a se constituir numa ameaça grave quando circunscrita a um ambiente adulto, portanto fora daqueles padrões idealizados da rotina de um convento.

O problema começa quando, por razões óbvias, mas para as quais muitos preferem fechar os olhos, ou nem se apercebem mesmo, os desvios passam a influenciar outras pessoas, fortalecendo uma espiral nefasta e aparentemente interminável.

O alerta, sem qualquer conotação moralista, tem sido reiterado à exaustão na guerra contra o crack, e vale também para outras ameaças menos mortais, mas igualmente perversas. Preso há quase dois anos, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, responsável por um dos maiores escândalos financeiros do país, é visto hoje como ídolo por colegas de cárcere.

Políticos envolvidos em transgressões de maior ou menor grau insistem repetidas vezes em recorrer à abstração das palavras nos discursos para negar ou até mesmo justificar atos concretos, dos quais só não há provas irrefutáveis porque não são ingênuos, muito menos ao ponto de deixá-las.

Felizmente, nas finanças e mesmo na política, esses exemplos são exceção. A questão é que, no caso do crack e nos demais, como esses, tudo isso teria uma chance considerável de ser evitado em casa. E por que não é?

Não é, entre outras razões, porque os pais, muitas vezes, também abusam no lar e na rua do discurso bonito, mas costumam agir feio na prática, às claras ou daquela forma velada, levando todo mundo a fazer de conta que não vê.

O que dizer, por exemplo, das festas familiares para adolescentes em que a bebida alcoólica rola solta? Pior: é entre os pais que seguidamente aparecem nessas comemorações os primeiros sinais de “pilequinho”, muitas vezes associado a um esforço de serem percebidos como se fossem mais jovens, mais destemidos.

Seguidamente, parecem estar tomando não bebida, mas coragem – e tanta, que ainda saem dirigindo, com os filhos junto. E o que dizer de atitudes como a de não devolver o troco recebido a mais, de tentar vencer no grito, de atender ao celular em plena aula ou no meio da sessão de um filme de época?

Será que a tendência dos filhos é seguir o discurso das ações virtuosas ou a prática dos pequenos e grandes delitos? Ou, então, a de misturar tudo isso, dando margem a uma imensa confusão?

Tudo bem: os pais, quando existem e, principalmente, quando fazem questão de acompanhar de perto cada etapa de desenvolvimento dos filhos, procuram fazer o melhor possível. Assim como os professores complacentes, não devem ser tachados de maus, muito menos comparados a banqueiros ou a políticos encrencados. E faz parte da natureza humana que qualquer um, quando pego em flagrante, trate de se defender, negando tudo.

Ainda assim, entre as tantas advertências do brado contra o crack lançado pelos veículos do Grupo RBS, um deles chama particularmente a atenção. É o de que, se maus exemplos como os que tendem a levar à droga se disseminam com tanta facilidade, os bons também têm esse poder.

Então, que prevaleçam os bons, pelo bem de todos, incluindo os que ainda podem ser libertos dessa pedra semelhante a um grilhão e se reconciliar com a vida.

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