sábado, 1 de março de 2025


01 de Março de 2025
MARCELO RECH

O espantalho do Brasil

Por três semanas de fevereiro, em uma incursão de motocicleta ao extremo sul das Américas, topei com um universo de experimentados - e por vezes abonados - viajantes que buscam destinos exóticos, com natureza selvagem, e pitadas de aventura. Em automóveis, motos, motor homes ou bicicletas, essa legião de alemães, italianos, franceses, australianos, suíços e americanos quer algo diferente, mas com risco calculado. Invariavelmente, um atrás do outro, ao saber que eu era brasileiro, desculpavam-se por deixar o Brasil de fora de seus roteiros. A razão? A insegurança por aqui.

Alguns tinham cruzado do Alasca à Terra do Fogo e passado pela temida América Central. Mas as cenas de balas tracejantes nos céus do Rio e as histórias de horror com ciclistas atropelados por bêbados ou velejadores executados por piratas na costa são um espantalho a corroer a imagem do Brasil. 

É certo que, no Carnaval, milhares de turistas são atraídos pela festa, enquanto o câmbio favorável desencadeou este ano uma gigantesca e bem-vinda peregrinação de visitantes do Prata para as praias do Sul. Mas é pouco diante do que os brasileiros, assim como turcos e tailandeses, poderiam se beneficiar de um fluxo constante e intenso de turistas.

Fosse só a perda do turismo, já seria suficiente para o Brasil acordar sobre como somos vistos de fora: uma nação tomada pelo crime. Trata-se de um daqueles estereótipos que contaminam imagens alheias? Infelizmente, não. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou um faturamento de R$ 347,8 bilhões pelo crime organizado em 2022. 

Desse total, R$ 146,8 bilhões provêm do comércio de combustíveis, cigarro, álcool e ouro com aparência legal, mas controlado pelo crime. Outros R$ 186 bilhões, 10 vezes mais do que a renda do tráfico de cocaína, são obtidos em crimes cibernéticos e roubos de celulares.

Em suma, nos transformamos numa grande muamba, sob o olhar complacente de todos - todos - os governos federais até hoje. A inação vai da absurda cegueira de setores mais à esquerda diante da criminalidade até a desvirtuada concepção de setores mais à direita de que armar a população é resposta eficaz para a violência. Enquanto nos perdemos em guerras ideológicas, o crime organizado se expande e se infiltra por toda parte - dos postos às ofertas de produtos em redes sociais, sem que o cidadão honesto sequer se dê conta de que está ajudando a financiar a cadeia de delitos e a sonegação.

A movimentação do crime organizado em negócios aparentemente legais já representa 15% do total desses setores. É uma tragédia, além de brutal escoadouro de impostos. Mas o Brasil segue dormitando em berço esplêndido, sem qualquer plano capaz de reverter esse caminho para o abismo. _

MARCELO RECH

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