"Não posso" ou "não quero"?
Eu errei a minha vida inteira com a prática do "não posso" (em vez do "não quero").
É uma expressão limitante, que delega para casualidades a responsabilidade do meu destino. Como se eu não tivesse mais livre-arbítrio. Como se não fosse eu que regulasse a minha agenda e os meus horários. Como se eu nunca pudesse estar onde preferiria estar, dependendo do fiado de circunstâncias favoráveis.
Pense comigo. Quando você recebe um convite e diz que "não pode", passa a mensagem errada de que algo o impede. Transmite a experiência de que gostaria, mas não tem como. E vai assumindo um compromisso para o futuro, enfrentando um constrangimento com quem fez o convite, que talvez insista com uma outra data. Você vai dando uma desculpa e o interlocutor, entendendo equivocadamente que você está a fim, começa a criar soluções para ter a sua presença.
Há uma dificuldade congênita de recusar propostas ou de simplesmente proferir um "não". Exige muito amor-próprio declarar o imponderável e nada ambíguo: "Não quero, obrigado!". Porque é necessário entender que você não deixará de ser amado, não será substituído, não será posto de lado. O medo da rejeição é responsável pelos falsos positivos.
Quando você adota o "não quero", o assunto está encerrado, e ninguém mais fará gincana para contornar as suas restrições imaginárias, que são tradicionalmente inventadas como um modo de polidez.
Fomos instruídos a dissimular os nossos desejos, a não expor os nossos pensamentos, a aceitar tudo para não comprar nenhuma briga ou suscitar dissidências.
Interpretamos a autoaceitação como consequência do consenso, quando este até em nossa família é impossível. Ao tentar fugir do conflito, você alarga o mal-estar. Pois estará mentindo para si mesmo, faltando com o respeito perante as suas intenções, mostrando-se vacilante e influenciável.
Além do "não posso" ter o efeito assustador de uma bola de neve, envolvendo pessoas próximas como álibis para o impeditivo. Ou é a esposa, ou é o marido, ou é o filho, afora as doenças constantes dos avós (tadinhos, eles sempre estão morrendo).
Ter educação é ser transparente, não enganar, não distorcer, não gerar falsas esperanças, é não fazer ninguém perder tempo para garantir a sua contrariada proximidade.
Eu lembro que na escola avisei para a professora que não poderia ir ao zoológico com a turma porque a minha mãe não autorizava. Era uma farsa da minha timidez. O que não esperava é que a professora telefonasse diretamente para minha mãe. Fiquei com cara de mico durante o passeio inteiro.
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