sexta-feira, 7 de maio de 2021


07 DE MAIO DE 2021
DAVID COIMBRA

Isso é amor

Desde que a juventude foi inventada, em meados dos anos 50, cada geração tenta ser mais rebelde do que a anterior. No começo, um dos grandes veículos de expressão dessas gerações foi a literatura, com clássicos como On The Road, de Kerouac. Mas isso era no tempo em que os jovens liam.

O cinema, lógico, também teve sua influência. James Dean, Marlon Brando, O Selvagem da Motocicleta, e tal. Mas nada fala mais ao coração do jovem do que o rock. Tanto que lendas como Mick Jagger e Paul McCartney continuam guris, mesmo chegando à fronteira dos 80 anos de idade.

Assim, cada geração do rock tentou ser mais inovadora, mais agressiva e mais surpreendente do que as que a antecederam. Mas nenhuma conseguiu superar a do punk. E nada, no punk, foi igual aos Sex Pistols, nem me venha falar de Ramones. Durante três anos, eles chocaram a Inglaterra e o resto do planeta. Chocaram mesmo, imagine que um deles chegou a aparecer dentro de uma camiseta em que estava inscrita uma suástica.

Os dois grandes caras dos Sex Pistols eram Johnny Rotten, que ganhou o apelido por causa da podridão de seus dentes, e Sid Vicious, o da suástica. Você viu o filme Sid e Nancy? Gary Oldman faz um Sid Vicious perfeito, você nunca diria que, mais tarde, ele interpretaria o melhor Drácula de todos os tempos.

A música que mais gosto dos Pistols é cantada por Sid, Something Else. Você assiste ao clipe dessa música e percebe quem ele era na verdade: um meninão torcendo a boca e se fazendo de revoltado indômito. Chega a ser engraçado. Mas Sid Vicious foi coerente com a imagem que tentava passar: morreu de overdose, em 1979, um ano depois de ser preso e a banda se desfazer.

Johnny Rotten, ao contrário, teimou em continuar vivendo. No ano em que Sid morreu, Rotten se casou. A noiva chamava-se Nora, sua antiga namorada, uma mulher 14 anos mais velha, que tinha uma filha quase da idade dele. Rotten adotou essa filha e jamais se separou da mulher.

Pouco li sobre ele nesse tempo todo, nem sabia por onde andava. Dias atrás, descobri. Johnny Rotten agora consertou os dentes, tem 65 anos de idade e vive em Los Angeles com Nora, que está com 79. Rotten não canta mais. Tudo o que ele faz na vida é cuidar de Nora, que sofre de Alzheimer. Ele se recusa a interná-la numa clínica e se esforça para fornecer a ela uma vida regrada, pacífica e rotineira, como reivindicam os pacientes de Alzheimer.

Por que estou escrevendo sobre Johnny Rotten? Por causa da última resposta que ele deu ao repórter que o entrevistou, no começo deste mês. O jornalista estava surpreso. Como um punkeiro agressivo, brigão e contestador se contentava em levar uma vida tão pacata? Rotten disse que amava cuidar da sua mulher, apesar de todas as dificuldades. E explicou a razão:

- Ela esquece de tudo, ela esquece de todo o resto, menos de mim.

O amor é punk.

DAVID COIMBRA

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