terça-feira, 4 de maio de 2021


04 DE MAIO DE 2021
NÍLSON SOUZA

Mordaças

Vacinado e revacinado, fui às compras dia desses com a minha máscara associativa que ostenta uma frase emblemática para o povo do jornalismo: "Máscara sim, mordaça não!". A jovem atendente da feira livre pesou as peras solicitadas, olhou bem para o meu rosto semiencoberto, leu a inscrição em voz alta e perguntou:

- O que é mordaça?

Expliquei, claro, mas saí da praça um tanto decepcionado. Primeiro comigo, pois imaginava que uma mensagem tão simples pudesse ser facilmente compreendida por qualquer pessoa letrada. A menina sabia ler bem. Mas esbarrou na palavra desconhecida.

Então, redirecionei minha frustração para uma realidade que me parece cada vez mais evidente, representada pelo crescente desapreço aos livros e à leitura. O desinteresse pelas letras está associado ao domínio da comunicação digital, que absorve completamente a atenção das pessoas, mas limita-lhes o vocabulário e a capacidade de interpretação.

E não se trata somente da constatação de um escriba desiludido. Há estudos sobre isso: quem se comunica predominantemente por mensagens de texto, com diálogos coloquiais, gírias e figurinhas, acaba usando quase sempre as mesmas palavras, a maioria delas abreviadas. Em consequência, tem dificuldade para entender notícias, reportagens e comunicados mais elaborados.

A linguagem digital usa e abusa dos emojis, figurinhas inventadas pelos japoneses para expressar emoções e tornar a comunicação mais divertida. Li outro dia uma tese interessante, de que tais recursos se assemelham às primeiras formas de representação gráfica dos seres humanos, as pinturas encontradas em cavernas pré-históricas. Fiquei preocupado: será que estamos regredindo?

Porém, depois de refletir sobre o episódio da feira, cheguei a uma conclusão mais animadora. Como a jovem demonstrou curiosidade e não teve constrangimento de me perguntar o que não sabia, o espaço para o aprendizado continua livre. Nosso desafio como educadores e comunicadores talvez seja encontrar fórmulas mais adequadas para a transmissão do conhecimento.

Aquele emoji que tem um zíper na boca, por exemplo, pode ser mais compreensível para a geração digital do que a palavra mordaça. Preciso aprender a desenhar.

NÍLSON SOUZA

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