sexta-feira, 10 de outubro de 2025


10 de Outubro de 2025
MARCO MATOS

Odete matou o Código Penal

Um assassinato visto como justiça é, infelizmente, algo bem aceito pela sociedade brasileira. Essa é a minha conclusão depois de observar as pessoas comemorando e comentando a morte de Odete Roitman, a vilã implacável de Vale Tudo.

"Ah, mas é novela!", dizem alguns, como se a ficção nos isentasse de reflexão. Eu, no entanto, acredito que a mesma emoção que nos domina diante de uma cena é a que guia nossos julgamentos na vida real - desde que o caso não envolva alguém da nossa família.

Morrer é o fim de muitos vilões. É o fim da vida, da existência, da possibilidade de arrependimento. Mas a morte em um acidente, provocada por uma disputa ou uma queda de penhasco após uma discussão, tem outro peso quando comparada à de alguém que entra num quarto de hotel e atira à queima-roupa. A primeira pode parecer trágica; a segunda é pura execução.

Assassinato é crime - e crime não se justifica com mais violência, ainda que o morto tenha sido cruel. A Constituição e o Código Penal são claros: cabe ao Estado investigar, acusar, julgar e aplicar a pena. Qualquer coisa além disso é barbárie.

Outro dia, estávamos todos nas ruas clamando pela democracia. Hoje, vejo os mesmos aplausos se repetirem quando alguém é morto "por merecer". Rasgam a Constituição como quem rasga um roteiro de novela, achando que um homicídio doloso pode ser um desfecho justo.

Validar a pena de morte é, no mínimo, um absurdo. Nenhum país tem uma justiça tão infalível a ponto de aplicar penas totalmente certeiras, sem margem de erro. Humanos erram - e a justiça é feita por humanos. Além disso, tenho fé o bastante para acreditar que tirar uma vida nunca pode ser resposta para nada.

Eu queria mesmo que a Odete fosse julgada. Que perdesse a fortuna, os privilégios, o poder. Que tivesse que engolir o próprio orgulho, se afogar na vaidade e viver o constrangimento de ser condenada por aquilo que sempre desprezou: a justiça.

Validar a morte de uma vilã pelas próprias maldades dela é aceitar que a morte pode ser castigo. É aplaudir justiceiros, linchadores e a justiça paralela do tráfico. É aceitar que moradores de comunidades sejam assassinados em operações policiais como se isso fosse uma limpeza social.

Ora, precisamos refletir sobre o que é mesmo uma sentença. Uma pena não é vingança; é reparação. Não é catarse; é responsabilidade.

Agora, todos querem descobrir quem matou Odete Roitman. Mas o que, afinal, desejamos a esse assassino? Que ele seja punido conforme a lei? Ou que o nosso espírito primitivo, disfarçado de senso de justiça, tome novamente o controle? _

MARCO MATOS

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