
Adorável grotesco
Em mais ou menos oito meses de exílio voluntário das redes sociais (ainda dou uma espiada de vez em quando, mas parei de postar), não passa um dia sem que eu pense que essa ignorância seletiva é um luxo.
Sinto falta dos amigos e dos leitores queridos que me mandavam mensagens, é verdade, mas o que perdi em contatos esporádicos ganhei em higiene mental. As "trends" agora passam por mim voando longe, como gaivotas que nunca chegam realmente a pousar na minha metafórica ilha deserta. Vejo os memes, as manias, as musiquinhas e outros babados-fortes se aproximando, mas não sei de onde vêm nem para onde vão. Morango do amor: nunca te vi, nunca te amei. Prazer em não te conhecer, labubu. Se não atravessar o filtro um pouco menos poroso dos jornais ou dos amigos hiperconectados, a moda talvez passe sem que eu sequer fique sabendo que ela chegou. Luxo.
Para quem viveu uns bons 30 anos sem internet e mais tempo ainda sem redes sociais, não é tão difícil pular fora. É só lembrar como era antes. O que a gente fazia mesmo quando não tinha nada pra fazer? Talvez os nossos cérebros estejam sentindo falta daquele tédio irrevogável das filas e das salas de espera, dos intervalos não preenchidos, do ócio profundo.
Muita gente, eu sei, não pode se dar ao luxo do ostracismo digital porque de alguma forma depende das redes. ("Monetizam", diriam os farialimers.) Não é o meu caso. Talvez seja justamente o contrário. Com tanta publicidade baseada nos meus gostos e no meu perfil, é provável que ficar de fora tenha me deixado mais rica - ou pelo menos mais protegida da necessidade urgente de consumir badulaques aleatórios.
Falando em badulaques aleatórios, o jornalista Kyle Chayka escreveu na New Yorker, há alguns dias, sobre um novo estágio do consumismo induzido pelo zeitgeist da vida em rede. Fenômenos como o morango do amor e os desenhos para colorir Bobbie Goods (no Brasil), assim como os bonecos labubus, o chá matcha e um tal "chocolate de Dubai" (nos EUA) seriam as encarnações palpáveis do "adorável grotesco" que nasce como tendência nas redes e depois migra para lojas reais. Não se trata apenas de uma marca de status, como um tênis ou uma grife, mas de uma sinalização de pertencimento. É preciso fotografar, copiar, ironizar, produzir memes, assuntar em torno do morango do amor - e não apenas comê-lo. E quanto mais saturação é induzida pelo algoritmo, mais inescapável parece o circuito.
Esses nada obscuros objetos de desejo ganharam um nome que dá uma boa ideia do que os próprios consumidores das "trends" pensam a respeito delas: "IRL brain rot" ("cérebro podre na vida real"). _
O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor
CLÁUDIA LAITANO
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