quinta-feira, 18 de setembro de 2025


18 de Setembro de 2025
CARPINEJAR

Da geladeira para a mala

É cada vez mais horripilante. O publicitário Ricardo Jardim, 66 anos, conservou sua namorada morta, a manicure Brasília Costa, 65, na geladeira da pousada onde estava hospedado, antes de espalhar partes de seu corpo por toda Porto Alegre - inclusive dentro de uma mala na Rodoviária.

Talvez seja a trama mais macabra que já testemunhamos. As informações foram divulgadas após 12 dias de sigilo pela Polícia Civil, na manhã de terça-feira, durante coletiva de imprensa, na Cidade da Polícia.

Ele comprou mala, serra, luvas, sacos plásticos e fita, com antecedência e requintes de crueldade. Organizou o passo a passo da emboscada.

Vaidoso, com três celulares e perfis fakes, ainda acompanhava o desdobramento do caso na mídia, à medida que se recolhia o que sobrou da vítima e se montava o quebra-cabeça do homicídio.

Não se sabe se ele quis imitar o famoso crime paulista da mala. Em 4 de outubro de 1928, o italiano Giuseppe Pistone, 28 anos, esquartejou sua namorada, a argentina Maria Féa, 22, grávida de seis meses, e a colocou numa bagagem no Porto de Santos, com destino à Itália. O conteúdo também foi descoberto pelo mau cheiro.

Assim como o episódio recente em Porto Alegre, o assassinato ganhou ampla repercussão nacional e mobilizou a opinião pública. É possível concluir que o suspeito, consciente ou não, realizou um remake sinistro e alcançou seu objetivo: vitrine, fama, holofotes, perseguição. Fez questão de ser registrado pelas câmeras de segurança. Disseminou medo e pânico entre os moradores para valorizar o suspense e o frisson de sua própria detenção.

É inverossímil que alguém tão dissimulado, frio, de sangue gélido, condenado a 28 anos por matar a mãe, Vilma Jardim, 76 - no Dia das Mães -, e concretá-la num armário em um apartamento no bairro Mont?Serrat, em 2015, tenha sido liberado por bom comportamento e progressão de pena ao regime semiaberto.

Amparado pelas eternas justificativas de superlotação dos presídios e falta de vagas, cumpriu apenas nove anos da sentença. Saiu três meses antes do prazo mínimo para análise do benefício. Não se abriu uma fresta na lei, mas se escancarou um portão levadiço de castelo para sua reincidência.

Como não desconfiar que um sujeito que esconde a mãe num roupeiro seria capaz de repetir o padrão no futuro - colocando um defunto na mala ou na geladeira? Que avaliação psicossocial, quais laudos psicológicos e sociais foram esses, extremamente favoráveis à sua soltura?

Quem planta provas falsas, nega o óbvio e finge normalidade é apto a enganar. Sua serenidade é cênica, estudada, manipulada. Dá a impressão de ter transformado a realidade em filme de terror, sangrando o nosso cotidiano com uma projeção que vem de sua cabeça.

Tudo o que ouvimos da história parece se originar de um roteiro escrito por ele, de uma produção que protagonizou e dirigiu, fornecendo pistas e elementos da morte arbitrariamente, mantendo o controle da situação (pois só ele conhece o final).

Nunca se pôde acreditar em conversões messiânicas. _

CARPINEJAR

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