quarta-feira, 24 de setembro de 2025


Insônia voluntária

O pior da insônia são os bem-aventurados cidadãos do sono fácil. Para eles, a insônia é culpa exclusiva do insone. A natureza seria perfeita, nós, insones, é que não sabemos geri-la. Caríssimos bem-aventurados, vocês não têm lugar de fala. Vocês não sabem o que é a insônia, recolham-se a vossa ignorância e não nos atrapalhem com julgamentos apressados e conselhos furados. Acreditem, não receber vossos palpites já é de grande ajuda.

Se alguém não consegue dormir por problemas, ele não dorme por causa disso, logo, não se trata da insônia clássica. No nosso caso, podemos estar na maior paz e de noite ligar uma luz de padaria dentro do cérebro. No começo não há angústia, ela chega depois, quando lembramos o inferno que é uma noite mal-dormida no desempenho do dia seguinte.

Mas vamos examinar uma variante atual: a insônia voluntária, originalmente chamada de "revenge bedtime procrastination". Aproximadamente, a tradução seria: procrastinação de retaliação na hora de dormir. Trata-se daquele momento quando um dia imenso de trabalho acaba, quando finalmente ninguém demanda nada, e o sujeito se recusa a dormir. Ele sabe que no outro dia vai ser esmagado outra vez pela rotina, por que abriria mão desse único momento precioso só seu?

Quem sofre com isso são as pessoas sobrecarregadas de trabalho, com agendas pesadas, rotinas extensas, ou sujeitas a múltiplas responsabilidades. Geralmente, as mulheres são as maiores vítimas, pois chegam do trabalho e ainda têm uma casa e os filhos para cuidar. O dia só vai ser delas quando estiverem exaustas na cama.

Quem está nessa situação, na hora dormir, não tem energia para ler nem para ver um filme que exija mais do que dois neurônios. Mas igual ele quer uma sobremesa do dia para se sentir menos abusado, sentir que tem vida própria. Geralmente, para prolongar seu momento roubado do sono, vai cair nas redes sociais - afinal, meio neurônio basta.

A insônia voluntária é um ato de resistência paradoxal, um grito de autonomia que pode ampliar a prisão da rotina, uma vingança que beira à autossabotagem. Triste gente que tem que escolher a ser um zumbi por dormir pouco, ou um zumbi por não saber mais quem é. _

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

MÁRIO CORSO 

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