segunda-feira, 8 de setembro de 2025


O perfume da gentileza

Um roupeiro não poderia ter um nome mais apropriado: Gentil. Ele não ganhava milhões, não dava autógrafos, não era requisitado para selfies, mas se tornou ídolo para os ídolos, escolho para as ondas mais elevadas, retaguarda do gramado.

No sábado, morreu um iluminado que viveu na sombra: o roupeiro do Inter, Gentil Souza dos Passos, aos 69 anos. Imprescindível nos bastidores. Foi a partir de suas mãos que Figueroa recebeu a camiseta 3, Falcão a camiseta 5, Valdomiro a camiseta 7, Fernandão a camiseta 9.

O profissional dedicou mais de cinco décadas ao Colorado. Começou seu ofício de zelar pelo fardamento dos atletas em 1974, aos 18 anos, e se mostrou pé-quente: participou da comissão na campanha do Gauchão.

Nenhum jogador tem mais títulos do que ele: conquistou 24 Estaduais, três Campeonatos Brasileiros, uma Copa do Brasil, duas Libertadores da América, uma Sul-Americana, duas Recopas Sul-Americanas e um Mundial da FIFA.

Diante das glórias, jamais sorria - só soluçava de felicidade, com olhos vermelhos e aguados.

Não costumamos enxergar quem está por trás dos grandes clubes. Mas não havia quem fosse mais apaixonado: não conseguia assistir às partidas, tamanho o seu nervosismo. Valia-se da narração pelo radinho. No máximo, subia alguns degraus da escadinha da boca do túnel, espiava e retornava para a sua reza.

Na verdade, compareceu ao Beira-Rio para um teste de bola. Seu Rosa, titular da rouparia, viu-o na peneira, sentiu compaixão pela sua ruindade em campo e o recrutou: - Você não joga nada, vem trabalhar comigo! Metódico, organizado, obcecado por sapatos lustrados e tênis limpos, descobriu seu destino entre as chuteiras.

Paulo Roberto Falcão lembra com profunda saudade do tempo que passaram juntos: - Eu ficava mais nos treinos só pela resenha de seu Gentil. Ele me inspirou a treinar cada vez mais. Vinha sempre com histórias engraçadas: uma figura espetacular.

O Rei de Roma era unha e carne com o Rei do Vestiário, que o invocava carinhosamente como "Bola-bola". - Vivia para o Inter, sem hora para trabalhar. Quando não cuidava do uniforme do jogo, cuidava do uniforme do treino. Zanzava de um lado a outro enquanto fazíamos as refeições. Aparecia antes que precisássemos de algo.

Foi Falcão quem o consolou em suas decepções. Logo na primeira viagem acompanhando a delegação, para amistoso da pré-temporada no interior, esqueceu os calções: - Extremamente responsável, chorava compulsivamente no ônibus pelo lapso. Eu dizia: é a sua estreia, está aprendendo, calma, não se cobre tanto, não é o fim do mundo, aos poucos pega a manha.

Seu Gentil chamava a todos de "professor", com atenção secreta e constante, como se fosse um compenetrado ouvinte das urgências alheias. Mal sabia que foi professor de voo de muita gente. Um anjo, enraizado no subsolo do estádio, que impulsionava seus alunos a voar alto. 

CARPINEJAR 

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