quinta-feira, 25 de setembro de 2025



25 de Setembro de 2025
CARPINEJAR

Letra por letra na cartolina

Na minha escola, durante os anos 1980, uma das atividades principais era apresentar trabalhos na frente da turma. Experimentávamos, na prática, uma prévia da vida difícil do professor, um ensaio do domínio da persuasão e da oratória.

Enfrentávamos a gagueira, o medo de falar em público, o silêncio constrangedor, o cochicho e a vergonha das risadas, as perguntas atravessadas. Tudo conosco, sozinhos na arte da argumentação do magistério, sem poder pedir ajuda ou socorro.

Formavam-se grupos de quatro, cinco alunos. Sempre havia um que não fazia nada e levava a nota de presente, e outro que se matava para decorar o conteúdo, carregando toda a equipe nas costas.

A preparação virava uma missão secreta. Por votação, escolhíamos a casa de algum colega como quartel-general, de preferência com lanche, para pesquisar o tema. Juntávamos enciclopédias, recortes de jornal e de revista, livros emprestados da biblioteca. Não existia Google. Existia paciência.

Para que os cartazes parecessem profissionais, usávamos moldes metálicos do alfabeto. Um gabarito comprado na tabacaria, com 37 peças. Colocávamos letra por letra, contornávamos, pintávamos por dentro, numa tipografia lenta e complexa. Nenhum risco deveria escapar. Não perdoávamos nenhum borrão.

Consumíamos horas reunidos na mesa da sala, atrapalhando a rotina da família, numa canseira insana de montagem que avançava até o jantar. A caligrafia ficava só para as legendas. Muitas vezes, rascunhávamos a lápis e depois passávamos hidrocor por cima, buscando não tremer.

E vinha a etapa da execução: realizávamos a exposição com os cartazes de cartolina colados na lousa. Uma série alinhada como uma novela em quadrinhos. A régua servia de batuta da nossa regência para destacar ponto a ponto dos nossos resumos. Geografia e história se mostravam as campeãs recorrentes das apresentações. Matemática e português raramente lançavam mão das interações.

Eu confesso que invejava os colegas ricos. Eles não precisavam sofrer com o gabarito. Tinham o luxo da Letraset, cartela de adesivo importada. Enquanto nós suávamos para elaborar um título, eles raspavam a folha e a letra surgia perfeita, limpa, brilhando no cartaz. Perto deles, éramos amadores.

No fundo, a precariedade forjou minha criatividade. A exibição valia mais do que nota - fornecia lições de teatro, de coragem, de orgulho pelo capricho, de satisfação ao me ver aplaudido ao final.

E talvez por isso, quando subo no palco para uma palestra diante de milhares de pessoas, nunca deixo de ser aquele estudante encarando a classe inteira com o coração disparado e a voz tentando não falhar.

Transformei as borboletas no estômago em jardim; o receio de me expor, em valentia para partilhar o conhecimento. Se não venci a timidez, aprendi a conviver socialmente com ela. Enrubescer também é um charme da autenticidade, um traço do carisma. 

CARPINEJAR

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