quinta-feira, 4 de setembro de 2025


04 de Setembro de 2025
OPINIÃO RBS

OPINIÃO RBS

Anistia imoral e casuística

Sobram razões para ser classificado como histórico o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que apontará as responsabilidades pela tentativa de golpe de Estado que buscou reverter, à margem da legalidade, o resultado da eleição presidencial de 2022. Estão no banco dos réus figuras que ocuparam altíssimas posições na República, como o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de ser o principal articulador das ações voltadas à ruptura, três generais do Exército que foram seus ministros e um almirante da Marinha, entre outros.

É predominante o sentimento de que o desfecho será a condenação. Podem ser criticáveis certos procedimentos adotados em especial pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso na Corte, mas o conjunto de provas é inquestionavelmente robusto. Além das revelações da investigação, como a chamada minuta do golpe, o plano para assassinar autoridades e os depoimentos dos comandantes à época do Exército e da Aeronáutica, não há como negar a longa e explícita preparação de um clima propício para uma virada de mesa em caso de derrota eleitoral de Bolsonaro. As peças do quebra-cabeça se encaixam.

É sabido que, como resposta, bolsonaristas do Congresso tentam emplacar um projeto de lei para anistiar os envolvidos no 8 de Janeiro de 2023 e outros implicados na tentativa de golpe, como o próprio ex-presidente. A articulação ganhou força nos últimos dias pela intervenção oportunista do governador paulista, Tarcísio de Freitas. A Câmara pode votar o tema ainda neste mês.

O pano de fundo é eleição presidencial. Tarcísio, em conchavo com o centrão, tenta que o gesto leve Bolsonaro a enfim declarar apoio a ele na disputa pelo Planalto e assim seja ungido herdeiro dos votos do ex-presidente, sem a possibilidade de outra candidatura do clã ou apoiada pela família. O novo ânimo para livrar condenados da cadeia, portanto, embute um cálculo casuístico puramente de viabilização de uma candidatura desejada pelo centrão, com Bolsonaro mantido inelegível. O juízo moral da iniciativa pouco importa aos seus orquestradores.

O caráter memorável do julgamento no STF não galvaniza atenções só no país. É acompanhado de forma atenta também no Exterior. Discute-se se o Brasil seria um exemplo de combate a ameaças autoritárias em um momento particularmente desafiador para as democracias e mesmo os excessos cometidos por Moraes, também já questionados neste espaço. Mas, em linhas gerais, o caso é tratado como um amadurecimento institucional do país e um passo rumo à consolidação da jovem democracia nacional. Isso porque são fartos, ao longo da existência brasileira, os episódios de golpe de Estado e quarteladas que restaram impunes. Anistias viraram regra e, como consequência, não desencorajaram novas rupturas. Punir de forma didática vândalos da democracia, portanto, é vacina para a história não se repetir.

A despeito da natureza indecorosa de tentar promover a impunidade, faz parte do jogo político que a oposição busque aprovar no Congresso uma forma de salvar golpistas da prisão. Mas a jogada não terá necessariamente o fim esperado. Não há dúvida de que o STF considerará a iniciativa inconstitucional. A crise entre os poderes será realimentada e assim seguirá o país, sem pacificação e com a radicalização reenergizada. 

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