terça-feira, 23 de setembro de 2025


23 de Setembro de 2025
CARPINEJAR

A infância é a única fase que não termina

A infância não termina. É a única fase da vida que convive com todas as outras. A adolescência se encerra, a meia-idade se encerra - a infância não.

Com uma vivacidade que me devolve perfumes, sons e toques, lembro como se fosse ontem quando a professora de ciências da terceira série pediu que cumpríssemos uma experiência como tema de casa: plantar feijão no algodão molhado. Queria nos ensinar como funcionava a fotossíntese.

Um pires, um chumaço de algodão e grãos de feijão: a mágica estava feita. Reutilizávamos um pote de margarina e acompanhávamos o crescimento do vegetal de hora em hora. Não despregávamos os olhos. Foi o Tamagotchi da época. A criação repousava na janela, o primeiro ser a receber nosso cuidado. Nosso colo fundador, nossa proteção inaugural.

Os grãos inchavam, surgia uma raizinha lilás, que logo virava caule. A plantinha espichava torta, buscando o sol. Meus irmãos e eu caçávamos insetos com o coador de pano do café. Guardávamos pirilampos em caixinhas de fósforo, para soltar de noite com a lâmpada apagada. As luzes andavam. Eram nossas lanternas de celular.

As cigarras avisavam da chuva, numa sinfonia de trovões. As libélulas deixavam suas asas transparentes pelo chão. Pisávamos nos vestígios de seus voos.

Mal passava carro na rua, que acabava sendo uma extensão do pátio para jogar taco ou bola, pular amarelinha ou corda. Não incomodávamos os grilos verdes, porque davam sorte. Eles desfrutavam de passe livre.

Se batia a fome, colhíamos frutas das árvores. Jamais ficávamos entediados ou perguntávamos aos pais o que fazer. Nossas ocupações não vinham das estantes do quarto. Aliás, o quarto se mostrava minúsculo com os beliches: servia apenas para dormir.

Promovíamos corridas de joaninhas em galhos. Até que elas pegavam impulso e se convertiam em aviõezinhos.

Com uma linha, transformávamos carochinhas em pandorgas. Depois, libertávamos os bichinhos para sua procissão. Minha irmã morria de medo do louva-deus. Precisávamos capturá-lo nas cortinas e arremessá-lo de volta pelas janelas. Temíamos a missa de domingo com nossos pecados ecológicos.

Derretíamos com sal as lesmas que atacavam a horta da mãe. Eu sentia pena de sua decomposição, do despejo, da casca tão bonita desabitada.

Lagartixas fugiam de nós. Moravam debaixo dos armários e dos quadros. Havia colegas que desafiavam bichos-cabeludos. A taturana atravessava seus braços sem encostar as cerdas, sem queimar a pele. Nunca encontrei coragem de imitá-los.

Algumas vezes, eu levava um fede-fede para a escola, esse minúsculo gambá disfarçado de folha que grudava na roupa e afastava a todos da sala de perto de mim. Ele desejava aprender a ler e a escrever, a ser parte da caligrafia do mundo.

O tempo era a nossa distração, o nosso maior brinquedo. Parecia que tínhamos mais tempo, parecia que nunca cresceríamos. Não só parecia: era verdade. A criança dentro de nós seguirá viva até o último de nossos dias. 

CARPINEJAR

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