O desbunde dos pais
A existência é fascinante nos seus ciclos. Tudo o que vai volta. Na infância, havia a tensão dos pais quando me levavam com meus irmãos ao restaurante. Tinham que controlar o apetite de quatro filhos. Regravam cada porção, cada troco a mais, cada centavo. Nosso medo era de que faltasse comida, o medo deles era que sobrasse.
Fiscalizavam as quantidades, dividiam as colheradas harmonicamente, jamais toleravam gastos desnecessários. Não podíamos pedir doce ou qualquer extravagância. Sofriam moderando os nossos excessos, a nossa gula por novidades. Não deixavam que olhássemos as tentações no cardápio.
A conta não poderia vir abusiva, pois comprometeria o orçamento do mês. Agora, já adulto, creio que os pais estão se vingando de mim. Sabendo que eu vou pagar a fatura no restaurante, não experimentam mais nenhuma cautela, prurido, medo das cifras. Mostram-se absolutamente à vontade, inconsequentes. Sequer carregam bolsa ou carteira.
Não é natural. Existe uma conspiração por baixo da toalha da mesa. Pedem tudo o que têm direito. Solicitam entradas, prato principal, sobremesa. Consultam o maître pelo vinho de rótulo mais raro. Sinto calafrios quando os pais colocam os óculos para analisar o menu.
Se antes observavam os valores mais do que a descrição das iguarias, inverteram a ordem: decidiram desprezar as dezenas de zeros à direita e valorizar a alta gastronomia à esquerda. Parece que testam o meu poder econômico. Sem nenhuma compaixão com as despesas. Sem nenhuma piedade com os prejuízos. Que eu me vire com o cheque especial. Preciso bancar o convite, assumir o meu lugar na cabeceira.
São crianças grandes na maior molecagem culinária. Talvez estejam me dando uma lição, a última lição de desapego, contra o materialismo e a favor dos momentos em família. Ou realmente relaxaram de vez como comensais gratuitos, meros espectadores do meu crescimento profissional.
Ainda por cima, para encerrar o banquete, querem embrulhar as sobras para casa, jamais cogitando o meu possível interesse.
A encenação é engraçada. Fingem que estão fazendo um favor não desperdiçando a comida, não jogando fora nada, como se o excedente não tivesse sido premeditado para obter justamente aquela marmita. Eles não me enganam. Ao almoçar comigo, buscam a sobrevida alimentar de um jantar ou café da manhã.
Brincadeiras à parte, feliz do filho que pode cobrir as despesas dos seus pais e ser anfitrião do amor. É um superpoder da gratidão: ter a oportunidade de devolver num gesto a proteção recebida durante a sua formação, trocar de papel por um momento e cuidar da felicidade deles.
Certamente, eles vão abusar na refeição, mas não confunda com egoísmo. Estarão profundamente emocionados e orgulhosos. Repare no brilho úmido dos olhos do seu pai e da sua mãe diante da sua cortesia. Além do carinho, desfrutam de indescritível certeza de que você foi bem encaminhado na vida.
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